Hoje lembrei-me que o MEU Pai vai fazer anos no final do mês. É Meu, o Meu Pai.
Nesse dia não lhe vou escrever um texto meloso e publicá-lo aqui porque ele não lê este blog. O Meu Pai lê romances, história, sociologia, e poesia. O Meu Pai ouve música erudita.
O Meu Pai é alto, está a ficar grisalho, e tem a pele morena. O Meu Pai está cada vez mais parecido com o Seu Pai - apesar de este ter morrido muito antes de completar a idade que o Meu Pai tem hoje. O Meu Pai é um homem íntegro, honrado e trabalhador. O Meu Pai tem um nome que para a maioria das pessoas é feio, mas um dia disse-me que se estivermos atentos, o seu nome tem uma sonoridade bonita. E sim, o seu nome tem uma sonoridade bonita. O Meu Pai consegue ver beleza em todas as coisas. O Meu Pai tem olhos de azeitona como a Minha Avó, os mesmos olhos de azeitona que ela dizia que eu tinha - o formato e a cor são os mesmos, é verdade.
O Meu Pai tem as mãos mais fortes do mundo. O Meu Pai podia ter saído de um livro. O Meu Pai fez tudo o que nos textos melosos se diz que os pais fizeram. O Meu Pai, contruiu fisgas e levou-me aos pássaros. Nunca matámos nenhum, o Meu Pai não gostava, ficávamos a atirar os seixos para o ar, ou para uma árvore, só a ver quem tinha a pontaria mais afinada. O Meu Pai levava-me todas as Primaveras a ver os ninhos novos, cheios de ovinhos. O meu Pai construiu-me um baloiço numa árvore ao fundo do quintal. O Meu Pai, construiu-me uma cabana na árvore. O Meu Pai ensinou-me a nadar no mar. Herdei do Meu Pai a necessidade de ver o mar, de o ouvir, de o cheirar. O Meu Pai mostrou-me a importância de olhar até onde a vista alcança (e o que não alcança). Com o Meu Pai pesquei ruivacos no poço do quintal Meu Avô. O Meu Pai levava-me em aventuras, escalávamos rochas, atravessávamos ribeiros, chutávamos peidos de raposa, "não digas à Mãe que te ensinei a dizer peidos, é muito feio dizer palavrões". Ainda hoje não gosto de palavrões. O Meu Pai ensinou-me o nome das estrelas e constelações. O meu pai contou-me a estória do homem que vive na Lua que leva um fardo às costas .O Meu Pai inventava e contava-me as estórias mais incríveis que algumas vez ouvi. O Meu Pai continua a construir fisgas, baloiços e cabanas para as netas. Leva-as em aventuras e deixa-as boquiabertas com as estórias que inventa. O Meu Pai ensinou-me a lançar o pião, quando já ninguém lançava o pião. O Meu Pai era o melhor lançador de pião da sua rua. O Meu Pai continua a ser um exímio lançador de pião.
O Meu Pai gosta de dizer poesia. Como o Meu Pai, também "Sonho que sou um cavaleiro andante./Por desertos, por sóis, por noite escura,/ Paladino do amor, busca anelante/ O palácio encantado da Ventura!".
O Meu Pai nunca mostrou preferências em relação aos filhos, mas fez-me sentir sempre especial. E é tão bom sentir-me especial quando se tem as irmãs e o irmão que eu tenho. O Meu Pai deu-me os melhores irmãos que alguém pode ter, os Meus Irmãos. Os Meus Irmãos também sentem que são únicos e especiais para o Pai. Tudo o que o Meu Pai me fez, fez aos Meus Irmãos. O Meu Pai escolheu dar-me a melhor mãe que se pode desejar, a Minha Mãe. O Meu Pai sempre foi bom nas suas escolhas.
O Meu Pai escolheu ter 4 filhos, quando muitos se riam e perguntavam se não tinha televisão em casa. O Meu escolheu ter quatro filhos. O Meu Pai quase não vê televisão e ri muito e com gosto. O Meu Pai tem uma família que o preenche.
O Meu Pai vai fazer anos e, se eu pudesse escolher, viveria com ele em Neptuno e nas suas luas, porque Neptuno, como o Meu Pai, é o maior planeta, tem o nome dos deus dos mares. Em Neptuno os dias duram semanas, as semanas duram meses, os meses duram anos e os anos duram décadas. E é assim que eu quero que seja o tempo que passo consigo.
Que homenagem tão bonita. Parabéns ao Pai fantástico e a essas memórias que me deixam sem palavras.
ResponderEliminarPoderia bem oferecer-lhe esse texto, é uma bonita homenagem. Não haverá Pai que não goste de uma coisa assim.
ResponderEliminarLindissimo. Parabéns a ti pelo Pai que tens, e ao Pai pelo filho que tem.
ResponderEliminarSim, o meu irmão é fantástico!
EliminarUm Mirone sensível!Parabéns!
ResponderEliminarQue lindo *.*
ResponderEliminarMuito bonito.
ResponderEliminarEstou com a pipoca mais picante, este texto é uma excelente prenda para lhe ofereceres. :)
Beijinhos
Pois, o meu pai também me ensinou muita coisa. Só nunca conseguiu ensinar-me a nadar porque entre eu e o mar, quanto mais distância melhor.
ResponderEliminarO berlinde, o arame e o arco, a fisga e as explorações pelos matagais aprendi mesmo sozinho.
Parabéns para ele e... em calhando para si também.
Também me ensinou a andar de bicicleta. Convenceu-me que só tinha cócegas na sola dos sapatos (e ria e esperneava que nem um louco de cada vez que eu passava com uma palhinha nas solas). Acho que hoje sou quase imune às cócegas (tenho cócegas nos pés, só, mas não tenho na sola dos sapatos) de tanto querer ser como ele. E ensinou-me a lengalenga mais irritante da minha infância, com que faço questão de também irritar a minha filha. "Queres que te conte um conto? Não digas que sim, porque é um conto e um continho, umas meias de pelinho e umas botas de pez. Queres que te conte outra vez? Não digas que não, porque é um conto e um continho..."
EliminarTenho um pai ausente desprovido de qualquer interesse pela família que abandonou.
ResponderEliminarQuando li o teu texto reparei em algo que nunca me tinha apercebido, ou se calhar reparei mas de alguma forma por defesa simplesmente esqueci. Percebi que com o meu pai nunca aprendi nada, nunca aprendi a andar de bicicleta, não aprendi a nadar, não tive como a maioria das crianças esses momentos felizes para puder recordar agora aos 35 anos. Nunca recebi um elogio, nunca recebi um afecto. Será que estes pais não percebem que um filho precisa disso???? Será que é assim tão difícil ser pai?????
Desculpa este desabafo mas este teu post mexeu com as minhas emoções. Parabéns a ti pela tua homenagem sincera e parabéns ao teu pai.
VegetarianoLx
Paulo, não imagino o teu sofrimento e, sinceramente, até sinto algum constrangimento em poder sugerir-te o que quer que seja. Mas acredita que aprendeste muito com o teu pai ausente. Aprendeste que podes dar afecto a alguém, podes ensinar o que sabes a alguém, podes fazer parte das memórias felizes de alguém e, acredita, ainda podes criar memórias felizes. Aprendeste o que não queres ser. Pensa que tudo o resto será ganho, que agora só te resta ser o que quiseres. Que te sirva de incentivo saber que o pior que te pode acontecer é seres o que sempre quiseste. Se calhar isto são só lugares comuns, mas espero que te tragam conforto.
EliminarMirone, obrigado pelas palavras. Foi mesmo um desabafo meu, efectivamente o teu texto é fantástico e tens toda a sorte do mundo em ter um pai assim. A ausência do meu pai está ultrapassada, mas por vezes há memórias que acabam por surgir. Ainda bem que li o teu post, é bom exorcizar esses pensamentos e seguir em frente sempre com a cabeça erguida :)
ResponderEliminarGanhaste mais um fã :)
Forte abraço