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sexta-feira, 30 de maio de 2014

Coisas de que me lembro, e faço

Havia na minha Faculdade um contínuo mais velho, eventualmente já com idade para se reformar, uma simpatia de senhor, baixo, de cabelo branco e muito curto, sempre vestido com calças e camisa cinzentas e de gravata preta, talvez um uniforme que lhe tivesse ficado dos tempos em que era obrigatório. Esse senhor tinha montado no átrio principal uma pequena banca onde vendia apontamentos das várias cadeiras elaborados pelos alunos, resumos de livros e transcrições de aulas teóricas, resmas de fotocópias, atadas com um elástico castanho. Todas as manhãs juntava duas ou três mesas de fórmica e sobre elas dispunha ordenadamente as fotocópias, por ano e por cadeira. Ao fim do dia recolhia os blocos e arrumava as mesas, para na manhã seguinte repetir aquele ritual, os apontamentos milimétricamente alinhados sobre as mesas, sempre pela mesma ordem, sempre no mesmo lugar, durante os cinco anos que demorei a fazer o curso. Algumas resmas estariam ali há vários anos, tantos que já apresentavam um tom amarelado e que, pensava eu, era responsável pelo nome que lhes era dado pelos colegas mais velhos, "Apontamentos Amarelos".
Por muito úteis que me pudessem parecer, nunca comprei nenhum daqueles blocos de apontamentos. Gostava de fazer os meus próprios apontamentos, a redacção dos resumos era um processo que me ajudava a reter a matéria, ao contrário da simples leitura dos manuais. Em boa hora. Mais tarde vim a saber que lhes chamavam apontamentos amarelos por estarem cheios de erros e imprecisões. Uns diziam que eram propositados, actos de pura maldade, outros diziam que não, que havia erros mas era um risco que se corria quando alguém se socorre de apontamentos de outros colegas, com tantas ou mais dúvidas do que nós. Nunca saberei se era verdade ou mentira, se tinham erros ou não, se os erros eram propositados ou involuntários. Ainda hoje, sempre que preciso, continuo a gostar de fazer os meus próprios apontamentos, por minha conta e risco.


6 comentários:

  1. Ah! O mítico Sr. Fonseca. Comprei-lhe uma sebenta, porque raramente ia a aulas teóricas (eram, em 99%, uma pura perda de tempo, uma merdice pegada) de uma cadeira que não tinha manual. Na verdade, a meretriz da cadeira não tinha ponta por onde se lhe pegasse, nem percebia bem qual era o programa, só a fiz à terceira (Relações Económicas Internacionais). Foi o meu calcanhar de aquiles do curso. E toda a gente cheia de medo de Execuções e essa não me custou nada :P

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    1. Era verdade, aquilo dos erros?

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    2. Não sei. A que comprei eram apontamentos de um muito bom aluno, acho que se chamava Ayala, e os dele tinham fama de ser correctos. Mas foi vez única...

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    3. Sim, o Bernardo Ayala, muito bom.

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  2. Já percebi tudo.. estou rodeada. Rule of law!

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  3. sempre pensei que o dito Sr. se chamava Charneca. comprei-lhe uns apontamentos sobre a disciplina que mais odiei no curso, REI... mas acabei por estudar para a oral uns apontamentos que me emprestaram, cujo autor desconheço, mas lá passei com um 10 ranhoso... mas tão feliz por nunca mais ter de ouvir falar naquela cadeira que, quando cheguei a casa, os meus apontamentos das aulas práticas e "do" Sr. Charneca ( para mim será sempre Sr. Charneca) foram directamente para a churrasqueira... um fogo lindo, só vos digo.
    CS

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