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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Momentos Kodac

Quando se tem uma família numerosa, os almoços de família são uma animação. Há sempre mais uma história da infância para contar, um acontecimento caricato que o passar dos anos promoveu de anedota a quase-lenda. Procuram-se fotografias, vai-se ao sótão buscar o projector de slides e a tela e viajamos no tempo, "Eish, lembro-me tão bem deste casaco!", "Olha, quando começaste a andar", "Oh, os primos todos, alinhados, desdentados, com as caixas de Bombocas que o avô Zé trazia! Gostava tanto de bombocas. Há uns anos voltaram, mas não são a mesma coisa". Abrem-se gavetas, vasculham-se caixas, a primeira madeixa de cabelo cortada, a caneta de aparo usada exame da quarta classe, "Posso ficar com ela mãe? Não, foi o avô que ma trouxe da Índia, é para ficar aqui, depois de eu morrer façam o que quiserem, mas por enquanto fica aqui". A primeira máquina fotográfica. As santinhas de papel que a avó coleccionava. Relíquias, à nossa maneira.
Ontem, em casa dos sogros, com os seus irmãos, "E lembras-te daquela vez que o tio padre nos levou a Santiago de Compostela? De termos sido levados pela Guardia Civil mal passámos a fronteira, porque acharam estranho que um padre levasse quatro criancinhas consigo?". "E a Tó, lembras-te da Tó, da galinha de estimação que trouxemos? Hei-de ter aí uma fotografia com ela ao ombro, como um papagaio dos piratas. Espera lá que vou procurar. A Mironinho é que vai gostar de ver o avô com uma galinha ao ombro". Também ali se abrem gavetas, vasculham-se caixas... 
Até que, embrulhado num papel de seda amarelado pelo tempo, se apalpa qualquer coisa. "Que é isto? Deixa cá ver... Uhhhg! Dentes! Olha lá, para que é que queres isto?" Um papelinho manuscrito, desvenda o mistério. "Dentes de Javali que eu comi". Aparentemente, e na falta de uma máquina fotográfica que perpetuasse o momento, guardaram-se os dentes do bicho. "Isto foi uma vez que fui com o meu pai e com o primo Chico a Lavra, devia ter uns 10 anos. Foi a primeira vez que comi javali. Arranja-me uma bolsinha que é para guardar".
Em casa do meu sogro, na gaveta dos álbuns fotográficos, na "caixinha dos tesouros" repousam os dentes do primeiro javali que comeu, desta vez, com direito a registo fotográfico.


Será que alguma vez comeu elefante? Não me parece. Mas também, onde é que ia arranjar uma bolsinha suficientemente grande?


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