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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O desafio

Ensinou-me o meu avô materno que a solidariedade vem de dentro e dentro é o seu lugar. A solidariedade não cede às pressões exteriores, a solidariedade não se exibe.  Também me dizia vezes sem conta "Que a tua mão esquerda não saiba o que a mão direita deu, filhinha".
Teria a idade da Mironinho quando, pela primeira vez na vida e pela mão do meu avô materno, entrei numa casa que acolhia pessoas com doença mental para levar roupas e géneros alimentares. O ritual repetia-se todos os anos, sem data certa, pelo menos duas vezes ao ano, sempre pela sua mão, até há poucos anos, quando já era eu quem o levava pela mão, porque ele não o conseguia fazer, mas dentro de si ainda morava a vontade de fazer o bem. 
A solidariedade que vem de dentro e fica dentro, como a que o meu avô me ensinou, não é uma obrigação nem um frete, não se impõe através de desafios, não depende da pressão dos pares, do que os pares esperam ou possam pensar de nós.  Por isso, por muito nobres que sejam as causas que lhes estão subjacentes, não me atraem grandemente estes desafios solidários acompanhados da vídeos que se partilham nas redes sociais. Mas outros avôs terão ensinado outras coisas a outros netos, quem sou eu para os questionar?
Sem qualquer tipo de pressão aceito o desafio que a NM me lançou e vou apoiar monetariamente duas instituições que abraçam causas que me são caras, a Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (com extensões um pouco por todo o país e fáceis de encontrar com uma pesquisa no google) e a Alzheimer Portugal.
Era suposto deixar aqui um vídeo com um banho gelado. Poderia fazer um vídeo na casa de banho que os meus pais adaptaram quando o meu avô perdeu a mobilidade. Haveria de mostrar a quem quisesse ver que sei bem o que é ver uma doença levar as capacidades físicas e intelectuais daqueles que amamos. Abriria a torneira de água fria, para que não estassem dúvidas sobre a temperatura da água e haveria de deixar escapar um grito aflito. Haveria de causar um sorriso, senão uma gargalhada a quem me visse. Mas penso no meu avô e sei que não era isto que o homem que primeiro me ensinou o que era a solidariedade gostaria que eu fizesse, não é isto que eu gostaria de fazer e não vejo porque ceder às pressões, só para ficar bem na fotografia. O vídeo seria apenas isso, fotografia, e o que me propus fazer foi muito mais do que isso.
Também não vou fazer o desafio directo a nenhum blogger, antes proponho aos meus leitores que procurem, junto das suas comunidades, de que forma podem ajudar os mais velhos e  doentes mentais, aqueles cujas famílias não puderam ou não quiseram cuidar. "Sabes, filhinha, toda a gente quer ajudar crianças, mas são poucos os que têm estofo para lavar rabos a velhos e limpar o vómito de dementes. São esses, os que já ninguém quer, que mais precisam".



11 comentários:

  1. <3 <3 <3 <3

    Um grande beijo minha querida

    (Mas olha que o meu desafio nunca pressupôs nenhum banho... Foi esse o meu twist... :) )

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    1. Sim, Nêzinha, percebi que o teu post não falava em banho. Mas assim ficam a saber que se propusesse não o publicaria o vídeo. Não que porque me preocupe com a água gasta, na verdade não teria qualquer problema em fazê-lo. O que é o desconforto de uns segundos provocado por uma baldada de água fria comparado com o sofrimento dos que têm doenças graves? Não condeno quem publica vídeos, não tenho dúvidas da importancia que tiveram na divulgação da causa, mas pessoalmente não o faço porque apesar da boa vontade que lhes está subjacente, há ali uma componente que em alguns casos roça o exibicionismo e que me causa um certo desconforto.

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    2. A minha ideia foi precisamente aproveitar o twist da Palmier e alargar a outras instituições e causas, saltando deliberada e intencionalmente a parte do banho...

      Quanto a isso do exibicionismo... Tenho dúvidas, tenho dúvidas... Em primeiro lugar não estamos dentro das pessoas para saber se aquilo é show off, vontade de aparecer, ou se é crença genuína de que com a sua atitude estão a motivar outras a contribuir. Eu, NM, nunca o faria porque eu tenho zero representatividade pública, mas como bem dizes o movimento só teve o impacto que teve por causa dos banhos de alguns famosos... E eu, se fosse figura pública, se tivesse consciência que a minha atitude ia levar outras a contribuir para uma causa (com ou sem balde) não tenho dúvidas que o faria, sem hesitar. Basicamente é isto... do meu ponto de vista, neste caso, os fins justificam os meios... Se no meio disto tudo alguns se aproveitam para vender a imagem do "olhem para mim que bonzinho sou...", é pah.. para mim é para o lado que durmo melhor... Desde que ajudem por mim até podem andar com luzes néon por cima da cabeça a dizer que ajudaram. Cada um fará como lhe parecer melhor. O que importa é que façam os donativos...

      Se o eu lembrar a existência da LPCCancro, nem que seja ao dizer que fiz um donativo (não é necessariamente a "gabar-me" que o fiz, é simplesmente a "dizer" que o fiz, o que no fundo pouco mais será que uma obrigação), fizer uma pessoa que seja ir ver o que é e essa pessoa doar 1€ que seja, posso muito bem com todos dedos apontados a dizer que me estou a exibir. Eu nestas coisas são muito prática, o que importa é que o dinheiro chegue onde deve chegar, o caminho que segue acho que é secundário.

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    3. Estamos de acordo. Os videos das figuras públicas foram importantes, diria mesmo fundamentais, para divulgar a causa. Beneficiaram as instituições e aqueles que por elas apoiados. Não digo que todos os vídeos são exercícios exibicionistas, mas sei que alguns não passam disso mesmo.
      O meu vídeo não mudaria nada, não traria nenhuma mais valia ao movimento solidário. O fundamental será contribuir e isso está feito, como soube e entendi mais adequado.
      Não deixarei de apoiar uma causa em que acredito só para não ter de me expôr, se a ajuda depender da exposição, venha ela, ninguém me comerá um pedaço. Mas se puder fazê-lo anonimamente e sem publicidade é assim que o faço.

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    4. aqueles por elas apoiados, sem o 'que'.

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    5. Lá está... Mas uma coisa é apoiar uma instituição séria, legal, que dá a conhecer o que faz... (Eu não tenho problemas nenhuns, numa conversa qualquer, dizer que apoio esta ou aquela instituição, até porque a posso dar a conhecer e, quiçá, levar outros a contribuir e ajudar.) Outra é apregoar a solidariedadezinha: emprestar dinheiro a um primo "enrascado" ou dar boleia alguém para a quimioterapia e embandeirar isso em arco... Isso não. Para mim é nisso, na solidariedade individual e não na institucional que faz sentido aquilo da mão direita não saber o que dá a esquerda.
      E depois já o disse em cima, quem tem possibilidades para, pouco mais faz que a sua obrigação, em ajudar instituições humanitárias. Não precisa de o apregoar é certo, mas também não vejo necessidade de o esconder (obviamente que não falo nos casos de ajuda individual que já referi em cima, isso é diferente e as pessoas "ajudadas" deverão ser resguardadas tanto quanto possível).

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  2. E assim, o respeito e a admiração que já lhe tinha cresceram exponencialmente.
    Um grande bem haja (também) ao seu avô, pelos valores que lhe transmitiu. Onde quer que ele esteja, estará certamente orgulhoso de si.
    SM

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  3. Repito aqui o que disse na Palmier, quanto a mim, o balde de água fria nunca teve nada a ver com exibicionismo. Foi uma maneira diferente de chamar a atenção das pessoas para uma doença praticamente desconhecida da grande maioria. E como foi feito por "famosos" toda a gente via (famosos esses que se fartam de apoiar causas sociais, já agora). Sem balde de água o impacto teria sido bem menor, daí que não o consiga achar uma estupidez, acho até uma metáfora muito bem conhecida, deve ser exactamente essa a sensação de uma pessoa se ver confrontada com uma doença destas.
    Hoje em dia e entre desconhecidos? É perfeitamente indiferente, há quem o faça por graça, há quem o faça para se manter fiel à origem da coisa e sim, haverá quem o faça por exibicionismo. Em falando do assunto e em contribuindo, pouco importará...

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  4. Subscrevo, um bem-haja ao seu avô onde estiver, e igualmente para si, que tão bem aprendeu!

    I.M.

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  5. E foram esses que um dia nos quiseram...

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