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segunda-feira, 30 de maio de 2016

Ainda estive para ficar calada

Ando há uns dias a remoer o 'novel' conceito de estudar com os filhos e a carga supostamente negativa que lhe é atribuida. Aparentemente, estudar com os filhos é um passaporte para uma vida adulta de frustrações, dependências e limitações de toda a ordem.

Enorme parênteses: Os meus pais estudaram comigo. Não sinto que tenha crescido frustrada, dependente, insegura ou menos preparada para a 'vida real'.
Tive uma professora primária acérrima defensora dos trabalhos de casa e por isso todos os dias tínhamos de fazer uma cópia, um ditado, palavras difíceis, contas e a tabuada. Pelo menos na parte que dizia respeito ao ditado era a mãe que mo ditava. Nas vésperas dos testes o pai ou a mãe pegavam no livro e fazia-me perguntas sobre a matéria, umas vezes a meu pedido, outras vezes por iniciativa própria. Eu ficava mais tranquila e eles inteiravam-se de forma mais participativa do meu grau de aprendizagem. Continuaram a fazê-lo até praticamente ao 9.º ano. O grau de participação, como é óbvio, foi decrescendo com o tempo. Desenvolvi o meu próprio método, tornei-me mais autónoma e e independente e nos últimos anos de secundário raramente lhes pedia ajuda para rever a matéria. Ainda assim, lembro-me perfeitamente de, na véspera da prova de aferição de filosofia, ter dado ao pai os apontamentos e resumos que fiz para que ele me fizesse perguntas. Vim a saber, mais tarde, que falhei uma série delas, mas ele nunca mo disse, não me queria deixar nervosa. Fiz a prova tranquila, sem grandes preocupações, e a verdade é que tive boa nota. Se os meus pais teriam preferido ficar a descansar em vez de me fazerem perguntas ou me ajudarem com mnemónicas de auxílio? É bem provável que sim, como prefeririam que eu dormisse as noites todas seguidas mal saí da maternidade, ou que mudasse fraldas ou me alimentasse sozinha.

Para aqueles que condenam o apoio que os pais dão aos filhos no estudo, acusando-os de criarem crianças frustradas e mal preparadas, pequenos ditadores habituados a ter o mundo as seus pés e os outros à sua inteira disposição, eu contraponho: Deixar crianças imaturas à sua sorte, forçar o seus crescimento em prol da independência vai gerar adultos sem escrúpulos, desconhecedores de noções básicas como a entreajuda, fomentará a lei da selva, onde 'vale tudo menos tirar olhos' e só os mais fortes sobrevivem, nem que para tal tenham de eliminar a concorrência. 

Não é por extremar posições que elas se tornam mais acertadas.


14 comentários:

  1. Querida Mirone,
    Tive uma experiência muito similar com a que descreve, enquanto filho-aluno. Subscrevo as suas conclusões.
    Bom dia,
    Outro Ente.

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    1. Pelo que li, não há espaço para meios termos, ou posições ponderadas, só duas conclusões são admissíveis, ou ajudar os filhos é excelente, ou ajudar os filhos é péssimo. Ajudar os filhos tem tanto de bom e de mau como o tem não os ajudar. Eu estranho que pessoas com tantas certezas sobre a educação não consigam perceber que esta é uma área onde, mais do que preto e branco, há uma miríade de tons cinzentos.

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  2. Bem, eu cá no que diz respeito a esse assunto, não me atrevo a comentar no meu círculo de amizades. Tenho uma filha que frequenta o 7º ano, e desde o 1º ano que estudo com ela, e toda a vez que falava que me lamentava, que estava cansada e tal parecia que me devoravam. Que não podia ser assim, que ela tinha de ser autónoma e sei lá mais o quê, mas a verdade, é que eu é que sei a filha que tenho, eu sei que se não lhe der este apoio ela não consegue. Numa turma como a dela, com 25 alunos, é impossível o professor chegar a todos. Bolas, que estou farta de ser criticada por apoiá-la. Eu não faço os trabalhos por ela, eu não estudo por ela, eu simplesmente DOU-LHE APOIO. A certa altura já duvidava se estava a fazer o mais correto, até que um professor disse-me que eu fazia muito bem, que os pais são professores dos filhos pelo menos até ao 9º ano. A partir daí caguei para os que os outros dizem.

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    1. Os meus pais nunca precisaram de me mandar estudar, eu sabia que precisava de me preparar para os testes, no fim das aulas chegava a casa, lanchava e fazia os TPC por iniciativa própria antes de ir brincar. Já o meu irmão, que também sempre foi bom aluno, era um estarola de primeira, só queria era saber de brincadeira e jogos de computador, lembro-me perfeitamente de ver a minha mãe andar atrás dele a saber se os trabalhos de casa já estavam feitos ou se não devia ir fazer uns exercícios ou fichas para preparar os testes.

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    2. Apesar de perceber a sua posição como mãe não consigo concordar com a análise do professor que considero injusta e que tira responsabilidade à escola. Não, os pais não são professores até pq muitos nem podem! Que diabo, quantos pais existem que não conseguem ajudar os filhos? Seja porque não sabem, seja porque não têm disponibilidade, seja porque motivo for. E acho que, atualmente, as escolas transferem essa responsabilidade para os pais sem mais nem porquê. Não pode, nem deve ser assim. Que os pais queiram e estejam disponíveis, totalmente certo. Que sejam quase "obrigados" pq isso é o que é esperado por parte da escola parece-me inverter posições. Os meus pais tb me ajudavam mas felizmente tinham alguns conhecimentos para o fazer, mas quando não é o caso como é? Temos meninos automaticamente prejudicados pq os pais não conseguem acompanhar a matéria? Exigimos que essas famílias contratem exlicadores para fazer o "trabalho dos pais" (quando na verdade é o trabalho das escolas que está a falhar)? A escola devia fazer o seu trabalho, devia enviar TPCs que as crianças seriam capazes de fazer sozinhas se tivessem estado com atenção na aula. Aqui, os pais entrariam para apoiar se o conseguissem fazer. Se não conseguissem a criança deveria ter o tempo e o à-vontade para ver as suas duvidas esclarecidas na aula seguinte, No entanto, e sei, por experiência própria que não é assim. Que poucas vezes os TPCs são corrigidos convenientemente nas aulas e que, em muitos casos, a escola espera que a criança apreenda novos conhecimentos em casa o que para mim chega a ser pouco ético.

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    3. Maria Marques, estou completamente de acordo. A escola devia ter essa obrigação de esbater diferenças que existem, não vamos querer tapar o sol com a peneira. É importante que as aulas forneçam aos meninos ferramentas de aprendizagem independentes do apoio que tem em casa. Há pais que podem prestar esse apoio, há outros que não podem (uns por falta de tempo,outros por falta de conhecimentos, outros porque sentem que não devem fazê-lo, etc). O dever da escola é deixar os meninos igualmente preparados.
      Voltemos ao meu caso. Ainda não precisei de me sentar com a minha filha a estudar (as matérias são simples e ela apreende-as com facilidade), mas tenho noção de que estudo com ela de outras formas. Não o faço porque ela mo peça diariamente ou porque acho que precise, mas porque é uma forma de acompanhar a sua aprendizagem. Há pais que se interessam ao ponto de todas as semanas quererem falar com a professora, há outros que só aparecem no dia de entrega das avaliações ou nem isso. Eu encontrei um meio termo para me inteirar do seu desempenho. Por exemplo, quando a vou buscar à escola pergunto se aprenderam alguma coisa nova. Se me diz que sim pergunto-lhe o quê e ela, por enquanto, ainda me conta com entusiasmo (ainda só tem seis anos, sei que daqui a uns anos já vai achar que sou uma chata). Há uns tempos andavam a estudar os sinais de trânsito. Quando vou com ela no carro pergunto que sinal é este ou aquele é ela responde que é de obrigação, de perigo, de informação ou proibição. Isso também é estudar, não preciso de me sentar do lado dela e obrigá-la a papaguear o que sabe sobre sinais de trânsito. Sei que nem todos os pais o fazem e eu não os julgo, mas também não me recrimino por manifestar o meu interesse desta forma, tampouco vou deixar de o fazer porque há pais de meninos que não o fazem.

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  3. Acho que cada pai/mãe sabe o que deve fazer. Os meus pais nunca estudaram comigo, estavam disponíveis para ajudar. O meu pai era mais do estilo quando lhe perguntava alguma coisa de me indicar o livro que podia responder à minha questão.
    Também nunca estudei com a minha filha porque achei sempre que ela não precisava e,até à data ,tem dado bom resultado. Mas o que resulta com uma criança não resultará com outras e seguramente que se a minha filha não tivesse demonstrado ser capaz de estudar sozinha certamente que teria estudado com ela.

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    1. Penso que a origem dos atritos a que tenho assistido tem a ver com o conceito de estudar com os filhos.
      A minha filha ainda está no primeiro ano do ensino básico, faz dois testes de cada disciplina por período, e as matérias não são complexas, pelo que ainda não sei muito bem o que é isso de estudar com eles, apenas sei o que se passou comigo quando estudava. Contudo, na última levada de testes, pediu-me para lhe fazer perguntas de estudo do meio. Não foi tanto para a ensinar, ou esclarecer dúvidas, foi para me poder mostrar que já sabia classificar os animais, descrever o ciclo da água ,etc. Eu fiz-lhe as perguntas. Ela ficou toda contente e orgulhosa por me mostrar que já sabia tantas coisas e eu ainda aproveitei para lhe dizer que não era consolidação, mas condensação que se dizia. Acredito que mais para a frente na sua escolaridade, isto se venha a repetir mais vezes. Vou fazer-lhe perguntas antes dos testes e se surgir uma dúvida enquanto estiver a fazer um TPC não comprometerei a formação da sua personalidade se lhe der uma ou outra explicação.
      Como dizes, cada criança tem as suas necessidades e diferentes graus de maturidade e caberá aos pais e professores decidir o grau de envolvimento necessário em cada caso.

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  4. A minha filha anda no 8º ano e sempre estudei com ela nas disciplinas mais puxadas, pelo menos. Aliás, acaba por ser uma das muitas atividades que fazemos juntas e que até gostamos. Não quero saber o que os outros dizem, enquanto ela quiser eu vou ajudá-la. Não acho que a esteja a incapacitar em nada, muito pelo contrário, ela fica mais segura de si e tudo. Sei que me criticam, por isso nem costumo comentar isto com muita gente, mas eu cá também critico quem deixa os filhos sem apoio no estudo. Cada um deve fazer o que a consciência manda, pronto! Beijo

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    1. Passa pela consciência sim.
      Se eu pedisse à minha vizinha que ela abdicasse da ida ao cinema ou à praia para ficar a estudar com a minha filha (ou achasse que ela tem de fazer o mesmo com o seu filho), até aceitaria que ela pudesse dar uns palpites... De outra forma, sendo o meu tempo e a minha filha, pois ela que diga que é um disparate ajudar as crianças nos estudos ou diga que sim senhora, faço muito bem, que me é relativamente indiferente (a não ser que tenha formação específica em pedagogia e desenvolvimento infantil).

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  5. Os meus pais estudavam connosco e saímo-nos bastante independentes, profissionais e bem sucedidos, com respeito pelos outros e tudo vê lá...

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    1. Tu é uma grande parte das pessoas. Há quem nunca tenha tido ajuda dos pais e se saiu muito bem, e quem não tenha tido essa ajuda e se deu muito mal. O mesmo aconteceu com quem teve a ajuda dos pais. Não consigo entender tantas certezas sobre um tema com tantas variantes.

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