Começam cedo, no sábado. Logo pela manhã, depois de chegar da confissão, lavada a alma de pecados, lava-se a casa. Abrem-se as janelas, batem-se tapetes que se deixam pendurados ao sol, lava-se o chão de tábua corrida com sabão amarelo, para avivar o tom alaranjado da madeira, que depois se encera. Os vidros hão-de ser limpos com um jornal velho amarrotado, para não largar pêlo. Os mil e um bibelots ficarão de molho num alguidar grande em água morna e detergente da loiça durante toda a manhã. Passa-se o óleo na mobília e com uma escova pequena há-de limpar-se minuciosamente a moldura do Sagrado coração de Jesus. Ao fim da tarde os tapetes voltarão para dentro, escolhem-se os melhores naperons que serão cerimoniosamente depositados nas costas e braços do trio de sofás, no louceiro, e no pequeno velatório. A míriade de bibelots retornará ao seu lugar. Da arca do enxoval sairão a melhor toalha de mesa e a colcha de damasco para se lhes tirarem os vincos. Apagam-se as luzes e fecha-se a porta à chave.
No dia seguinte, quando chegar da missa Maria Preciosa abrirá a sala outra vez. A colcha há-de enfeitar a janela aberta e a toalha é estendida sobre a mesa que depois do almoço receberá um prato com folar, uma bola, uma salva com amêndoas de açúcar, um licor caseiro, talvez um Porto.
O prior chegará, gorducho, cansado, aspergirá a sala com água benta. Atrás, os acólitos e o sacristão. "Cristo ressuscitou! Aleluia, aleluia!". O cruxifixo será dado a beijar. Antes de sair o velho sacristão recolherá o envelope que há-de ser deixado à entrada com "as amêndoas" do senhor prior, que o telhado da residência paroquial está a precisar de ser mudado.
Levanta-se a mesa, recolhe-se a colcha e dobra-se a toalha. Apagam-se as luzes e fecham-se as janelas, antes de fechar a porta a dona da casa fixará a imagem do Sagrado Coração de Jesus, simulará uma genuflexão mal amanhada, benzer-se-á e, de cabeça baixa, fechará a porta da sala, à chave, como que para guardar o Senhor que assim entrou naquela casa.
Oh Mirone, tirando a parte de limpar o chão e essas coisas que cabem apenas à senhora da limpeza, tu conheces a minha ex-sogra e não me disseste nada!!! Ai ai, a menina.
ResponderEliminarAinda há muitas casas por esse Portugal dentro onde a sala só é aberta para o compasso.
EliminarLembro-me disso que escreveste em Vila Real de Trás os Montes.
ResponderEliminarUma salinha só para esse efeito.
Nunca mais me esqueço.
A quase sagrada "sala do padre", conheço muito bem de ouvir falar. Na minha família, apesar das fortes tradições católicas, nunca houve uma dessas salinhas. As salas são usadas durante todo o ano e limpam-se durante todo o ano, não há lugar para essas "encenações" para parecer bem e agradar ao prior e acólitos durante uns minutos na tarde de domingo de Páscoa.
EliminarFoi uma destas salas que, sem pudor, Maria e João conspurcaram, aquando do caso da chave?
ResponderEliminar:)))))))))
EliminarA Maria Preciosa é uma beata solteirona, tenho sérias dúvidas que ande nessas cowboiadas na "sala do padre" (ou noutro lado qualquer). Por outro lado, como se costuma dizer, "públicas virtudes, vícios privados".