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quinta-feira, 16 de abril de 2015

"Almofadinhas"

Branca, a mais nova e única rapariga de uma fratria de cinco, cresceu no seio de uma abastada família micaelense, habituada a mimos, nas mais das vezes sob a forma de guloseimas, numa época em que as crianças se queriam com refegos nas pernas e sorriso nos lábios. Assim se fez, roliça, vivaça e brincalhona. Ainda nova quis estudar História em Lisboa, longe de um casamento arranjado e dos negócios do chá que a família lhe reservara. Um acidente de automóvel atirou-a durante meses para uma cama de hospital, incontáveis cirurgias e sessões de fisioterapia. Do acidente ficaram apenas as cicatrizes na pele, uma prótese na anca e um ligeiro claudicar. A alegria de viver, essa, multiplicou-se e depressa a adolescente roliça e brincalhona e fez mulher encantadora, alcançando a proeza de ser companhia desejada e disputada por homens e mulheres. Nunca as formas generosas ou o claudicar teimoso foram impedimento para o que quer que fosse, nem mesmo para organizar uma demonstração de danças de salão  a apresentar na festa de aniversário do colégio onde começou entretanto a dar aulas. Desenhou fatos, ensaiou coreografias com os colegas, pôs de pé um espectáculo como nunca antes se tinha visto por ali. Contratada a modista que havia de costurar os fatos, Branca tinha uma única exigência, da qual não abria mão por forma alguma. 
- Quero que costure e cosa uns bolsos ao forro do meu vestido.
- Mas isso vai dar-lhe um volume desnecessário às ancas... 
- Melhor ainda! Perfeito.
- A menina é que sabe, escolha o feitio que assim o costurarei. Mas que mal pergunte, para que quer a menina bolsos no forro do vestido se lhe vão aumentar as ancas?
- Ora, para encher com almofadinhas. 
- Almofadinhas?
- Com certeza, almofadinhas. Iguais às que se usam como chumaços. Se alguém tiver a leviandade de comentar a largura da minha anca, farei questão de lhes mostrar que tudo não passa de uma ilusão, que na verdade são só almofadas que trago no forro. E se por algum infortúnio me vacilar a perna enquanto danço, posso cair que não me magoo.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. O mérito é todo da Professora Branca, por quem passei há uns dias. Coxeia um pouco mais, já lá vão vinte e cinco anos, mas continua a exsudar boa disposição.

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  2. Querida Mirone,
    Que texto bom. Fiquei a saber o início de uma tendência que, entretanto, mudou de sítio.
    Bom dia,
    Outro Ente.

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    1. :DDDDD
      Pois, as almofadinhas ilusionistas estão a ser substituidas por hidrogel.

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