Bebia-lhe cada palavra, cada gesto, com o encantamento infantil de quem tem todo o mundo para descobrir. Nunca percebeu porque a escolhera ele, de entre todas as outras mulheres. Não era a mais bonita nem a mais elegante ou sofisticada, não era a mais vivida ou viajada, não era, definitivamente, a mais culta ou erudita. E nunca quis perceber. Do pouco que sabia e muito que não sabia, de tudo o que nem sabia que podia saber sobre o mundo e as pessoas que nele vivem, guardava uma única certeza, no amor não se percebe, quer-se e crê-se.
Teresa queria e cria que Adelino, o seu "Aladino de pele tisnada e cabelos negros", como secretamente lhe chamava, a escolheu porque a amava.
De Adelino sabia o que precisava. Não sabia de onde era, "sou um cidadão do mundo, as estrelas são o meu telhado", dizia enquanto deixava escapar que em tempos, ainda antes da herança dos tios que lhe permitiu abandonar tudo para se dedicar ao voluntariado numa instituição que criou para o efeito, tinha sido médico com carreira promissora, o melhor na sua área, cirurgião do mitocôndrio, único na Península Ibérica. "Não te quero aborrecer com pormenores, Teresa, o mitocôndrio é um órgão complexo, situado na base do crânio, a par dos rins, o único no corpo humano capaz de se auto-regenerar. Falemos de ti!". Teresa respirava de alívio, não queria que o seu Aladino percebesse ela que não sabia o que era o mitocôndrio. Preferia mil vezes que o Aladino a levasse a viajar até às aldeias do Sri Lanka no tapete mágico de palavras que ele lhe estendia. "Havias de gostar do Sri Lanka, Teresa. África enfeitiça-nos. Depois de pisaress as areias encarnadas do Fuji e de beberes as águas mornas do lago Bramaputra ficas preso àquele lugar, pertences-lhe. É duro ser-se voluntário. Olha as minhas mãos, grossas, ásperas, calejadas. As mesmas que vacinaram órfãos, e operaram viúvas, erigiram casas, escolas e hospitais.".
Encantava-a a voz melodiosa e o desprendimento do seu Aladino. Nunca andava com dinheiro, preferia caminhar a dar uso aos carros luxuosos que possuia. O voluntariado ensinara-o a viver com pouco. "Não Teresa, não é pouco. Se é o essencial, se é quanto basta, é muito, é tudo!". Ah, a pureza, o seu Aladino era verdadeiramente puro.
Teresa saiu mais cedo do trabalho. Queria ir para casa depressa, esperar o seu Aladino. Convidou-o para jantar, queria contar-lhe que aquele tinha sido o seu último dia de trabalho, que se tinha despedido, que queria ir com ele construir hospitais e casas nas areias encarnadas do Fuji. Sentada no banco do autocarro, observava a cidade com atenção, iria ter saudades. Em tudo via beleza, até no velho estaleiro camarário, onde dois homens descarregavam materiais de construção. Os olhos prenderam-se no mais novo, moreno, de pele tisnada e cabelos negros, pensou, "pele tisnada e olhos negros" como o seu Aladino. O seu Aladino! Saiu na paragem mais próxima e correu para trás. Do lado de fora do estaleiro gritou, chamou-o, Aladino! Adelino! O moreno olhou-a e afastou-se indiferente. Minutos depois, o telemóvel anunciava uma mensagem escrita.
"Parti numa missão e não sei quando volto.
Traz-me no teu coração a dizer que te amo.
Adelino"
Teresa soube então que Adelino, o seu Aladino, com as mesmas palavras mágicas que lhe estendia o tapete, lho puxou para sempre.
Dias mais tarde voltou a vê-lo, no mesmo café onde se tinham conhecido, acompanhado de uma jovem que o contemplava embevecida.
"Vou aborrecer-te, Isabel. O mitocôndrio é um órgão complexo situado na base do crânio, a par dos rins o único capaz de se autoregenerar. Falemos de ti."