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terça-feira, 4 de novembro de 2014

Memória de elefante

Não tenho, penso que nunca tive. Não sou, por natureza, uma pessoa que memorize tudo com facilidade. Não esqueço uma cara, mas sou péssima a reter nomes, números de telefone. Recordo, como penso que recorda a maioria das pessoas, momentos que me marcaram, um detalhe, um pormenor, que grande parte das vezes nem tem nada a ver com o evento principal. Ou terá? Não me lembro.
Por exemplo, outra pessoa recordaria todos os segundos da primeira saída a sós com a sua cara metade. Eu tenho a vaga ideia de ter sido num restaurante pequeno, penso que russo, não era suposto ser um jantar romântico, deu-se o caso de nos cruzarmos na rua, de estarmos sozinhos e ser hora de jantar. Não me lembro o que tinha vestido, ou o que comi, que vinho foi servido, de que falámos, mas lembro-me de quase morrer de susto no wc e pensar que era uma injustiça, na flor da idade, ter um funeral de urna cerrada, pois que ficaria desfigurada depois do ataque que estava prestes a sofrer. Tinha entrado um gato pela janela da casa de banho, não sei há quanto tempo estaria ali, mas não conseguia sair e estava agitadíssimo, ou terá ficado quando abri a porta e acendi a luz. Não foi um espectáculo bonito de se ver não foi, gritei, pois gritei, muito e muito alto, não foi uma cena por aí além a nível de dignidade e postura, mas ao fim de vinte minutos acho que já não tremia.
A memória, a minha, prega-me partidas. Cega-me. Impede-me de ver o todo, traz-me fragmentos dispersos da realidade que a distorcem. Ontem cruzei-me com um tipo que em tempos fez parte do grupo alargado de pessoas com quem saía quando acabei o curso, um amigo, de um amigo, de um amigo. Sei o seu nome, que era um brilhante aluno de engenharia e pouco mais, apenas que num jogo de laser tag ganhou a fazer batota ( jogou o tempo todo com a mão a tapar o sensor onde era suposto ser alvejado). Mr. Mirone contou-me que depois da licenciatura ele foi fazer mestrado e doutoramento no estrangeiro, por onde ficou, e que hoje é uma sumidade na sua área. Para mim será sempre e apenas um batoteiro, e eu, que até joguei "limpo", dou comigo a pensar que sou injusta e rancorosa. 
A minha memória consome-me.

1 comentário:

  1. Sofro do mesmo mal Mirone, sofro do mesmo mal. É mau porque embora as pessoas estejam mais crecidas/adultas, tivemos um vislumbre do que nos pareceu a verdadeira natureza delas, e isso dificilmente muda. Quantas pessoas do meu conhecimento são agora adultas que ocupam cargos "importantes" e eu não me fio nelas e acho que aquilo é uma grande fachada, que continuam a ser os mesmos burros, vilões, oportunistas, fofoqueiros, maus camaradas que eram aos 15 anos.

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