A senhora que me limpa a casa e trata das roupas ligou-me na segunda feira de manhã, muito preocupada porque precisava de me pedir um favor e não sabia como.
- Sabe doutora, arranjei uma patroa nova que quer dois dias, a terça e a sexta, e como na quarta já tenho os sogros da doutora, era para saber se a doutora não se importava de trocar para as quintas, é só um dia de diferença...
- Sinceramente, até importo, tenho a minha vida organizada para que venha às sextas, veja lá com a nova patroa se não quer ela as quintas, afinal é só um dia de diferença, não é?
Fiquei cheia de remorsos, "se calhar vai perder os dias por eu ter sido inflexível, e faz-lhe falta o dinheiro do trabalho, devia ligar-lhe...". Mas não liguei.
Hoje ao almoço encontrei-a na rua carregada de sacos de mercearias.
- Boa tarde "Roberto". Quer boleia para algum lado? Vai tão carregada...
- Se me puder levar a casa só para deixar estes sacos, agradecia, que tenho de estar em casa do sr. engenheiro (o meu sogro) às duas.
- Então entre que eu espero por si enquanto vai deixar os sacos e ainda a levo lá, que me fica de caminho.
Entrou no carro, ela e os sacos.
- Ai doutora, foi um anjo que me apareceu no caminho, que vou aqui aflita com o peso. É que agora a Junta (de freguesia) dá os cabazes no mesmo dia que as Conferências (de S. Vicente de Paulo), uma pessoa anda aqui que parece uma mula de carga, fico praticamente sem hora de almoço para ir aos dois lados.
- Pois, vi-a tão carregada. E os cabazes parecem-me bons.
- São bonzinhos, mas não são nenhuma categoria. É sempre a mesma coisa, massa, arroz, grão, feijão, óleo e enlatados, um sumito, uns cereais, ou assim, igual nos dois lados, ainda por cima. No Natal deram um bacalhauzito, mas é muito raro darem coisas melhorzinhas. Se eu quiser um bom azeite tenho de o comprar. Só posso beber leite de soja, tenho de o comprar. Desgraçado de quem precisar deles para comer, doutora... desgraçado, é o que lhe digo.
- Olhe "Roberto", lembrei-me agora e não me dá jeito deixá-la nos meus sogros, deixo-a em sua casa, está bem?
Há coisas que não consigo perceber.
penso que pode não estar a ver as coisas bem pelo melhor prisma.
ResponderEliminarEu ou ela?
EliminarDo meu prisma parece-me que é um caso sério de "pobre e mal agradecida"...
Claro que compreendo a frase "desgraçado de quem precisa dos bancos alimentares para comer", num outro contexto. É terrível ter de depender da caridade alheia para nos alimentarmos, concordo. O que não é o caso específico desta senhora.
Ela vive sozinha com o marido, ele com uma reforma na casa dos 400 e poucos euros - a que acrescem as limpezas em casas particulares que ela faz, pelo menos a minha e da dos meus sogros e num consultório médico - pelo que o rendimento mensal ronda os 850 euros. Não paga renda de casa nem tem filhos a seu cargo. Não sendo nenhuma fortuna também não me parece que precise de ir buscar cabazes alimentares a dois sítios e ainda tenha a lata de se queixar que os cabazes são fracos.
Mas posso estar a ver as coisas mal, posso. Lá está, dá-se-me um nó no cérebro que não me deixa ver bem.
É sempre assim,sempre! Eu às vezes acho que sou eu que vejo mal as coisas,que eu é que estou mal,se calhar tb me dá um nó no cérebro e tb não vejo bem.....
ResponderEliminarÉ de dar um nó no cérebro a qualquer um. Safa! (E anda uma pessoa a contribuir com bens alimentares para esta gente...)
ResponderEliminarOlhe "Roberto" acho que já não vou precisar dos seus serviços...
ResponderEliminarDesculpe, mas isto enerva-me e muito! Acho que tem razão, POBRE E MAL AGRADECIDA! O pior é que há tanto disto... tanto.... só "amigas" da minha avó conheço pelo menos 2 assumidas que o fazem... Ha cerca de 2 anos uma dessas senhoras levou um cabaz para casa da minha avó, trouxe da igreja.. azar que eu estava lá em casa e mandei a senhora levar aquilo de volta para a igreja, que a minha avó, embora pobre, para comer ainda tinha e que havia realmente muita gente a quem aquele cabaz faria realmente muita falta! Falsas pah! Esta senhora em questão é uma frequentadora assídua da igreja católica... e tira comer da boca dos que precisam...
Bem Haja!
Pat
E para quem "só pode beber leite de soja", nunca a ouvi queixar-se dos iogurtes que bebe quando está em minha casa (digo-lhe sempre que pode ir ao frigorífico se quiser lanchar).
EliminarPois... querem dado e arregaçado. É por saber cada vez mais casos destes que eu cada vez dou menos para instituições. Pensar que há gente que se voluntaria para o banco alimentar para depois trazer coisas para casa, sem ter necessidade dá-me volta ao estômago. E eu continuo a dizer que por vezes que mais precisa são aqueles que não se ouvem a pedir, porque só mesmo em último caso perdem a vergonha. Vejo gente que os filhos na escola não têm escalão, não pagam livros, não pagam cantina, mas as mamãs andam com unhas de gel, a fumar, nos cafés, nos cabeleireiros. Se também têm direito a essas coisas? Pois claro, mas não à minha custa e de quem trabalha.
ResponderEliminarInfelizmente conheço muitos casos assim. Chega-se ao ponto de pessoas que ficaram sem qualquer rendimento não conseguirem nem sequer um dos cabazes.
ResponderEliminarBastava uma coordenação efectiva entre as várias instituições para se evitarem estes abusos. Se houvesse uma lista comum de famílias carenciadas, para que a família que fosse buscar cabazes a um sítio já não pudesse - a não ser que precisasse mesmo - ir buscar a outro.
ResponderEliminarEsse tipo de pessoas dá-me volta às entranhas! Faz-me uma imensa confusão como é que alguém se aproveita da generosidade dos outros, sem precisar, sendo que nestes casos, provavelmente, está a impedir que a ajuda chegue a quem realmente precisa. Como é que essas pessoas dormem à noite?
ResponderEliminarA empregada da minha sogra enche-lhe a casa de pacotes de manteiga. Vai buscá-los ao banco alimentar com o resto do cabaz, mas nem ela nem o filho gostam de manteiga. Isto também me revolve as entranhas. Andam as pessoas a dar para as coisas acabarem assim. Enfim... É mesmo o país que temos!
ResponderEliminarÉ..é o país que temos.. só doutores e engenheiros ;)
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