Contra tudo o que o meu anónimo preferido possa escrever (mas tenho quase a certeza de que não pensa assim), eu gosto da senhora que me limpa a casa e trata da roupa, a quem neste blog chamo Roberto por ser muitíssimo parecida com o Roberto Leal. Trabalha há mais de 20 anos em casa dos meus sogros e por isso Mr. Mirone fez questão de que fosse ela a vir trabalhar em nossa casa. Está connosco há quase nove anos. É, como se costuma dizer, quase família. E como em todas as famílias, há atritos e conflitos de personalidade. Ainda assim gosto muito dela e, na generalidade, estou satisfeita com o seu trabalho. Não estou tão satisfeita com os três aspiradores que entretanto queimou nestes anos, os dois ferros de engomar que entregaram a alma ao criador nas suas mãos, de louça que se vai partindo, um ou outro objecto de decoração que aparece misteriosamente colado quando eu nem sequer sabia que ele se tinha partido. Isto de deixar entrar em casa um estranho tem muito que se lhe diga e, sinceramente, tenho medo do dia em que se vá embora. Dificilmente encontrarei alguém a quem confie a minha casa como lha confio. Normalmente só nos cruzamos de manhã e eu aproveito para distribuir serviço.
- Abra as janelas e tire as roupas da cama e a seguir vá para para roupa durante a manhã, depois do almoço faça as limpezas e arrumações, mas se vir que está atrapalhada com muita coisa para fazer dê prioridade à cozinha e casas de banho. Até logo!
- Fique descansada. Até logo.
E eu ia descansada, confiante de que o recado estava bem entregue.
E, efectivamente, o serviço estava bem entregue. Nunca as prateleiras da minha despensa estiveram tão bem arrumadas, com os rótulos todos alinhados, um serviço de régua e esquadro. Dava gosto abrir as gavetas da roupa interior, tudo muito alinhadinho, por cores, feitios e tamanhos.
- Oh doutora, não tive foi tempo para lavar o chão da cozinha.
Ou
- Não tive tempo de lavar a casa de banho do corredor.
- Está bem, mas para a próxima dê prioridade à cozinha e às casa de banho, não se esqueça.
As semanas sucediam-se e as gavetas e prateleiras da despensa continuavam o sonho do pior, ou melhor, dependendo da perspectiva, dos obsessivo-compulsivos e eu acabava a sexta feira a lavar o chão da cozinha ou da casa de banho, porque a Roberto não tinha tido tempo para tudo. Até ao dia em que:
- Oh Roberto, mas eu já lhe disse para dar prioridade à cozinha e casas de banho, que arrumar as gavetas das meias é uma coisa que posso ir fazendo durante a semana e também não é uma coisa que esteja a precisar assim tanto.
- Oh doutora, mas dar prioridade não é deixar passar? Pensava que era para fazer outras coisas e deixar passar a cozinha e as casas de banho, não foi que a doutora disse, para dar prioridade?
E assim levei uma valente lição de humildade passando a colocar-me no lugar dos outros sempre que a eles me dirijo, tal como sempre me disseram os meus pais.
Há como não gostar de quem nos recorda estas lições? O que não invalida que continue a achar inadmissível que se queixe do conteúdo repetido dos cabazes alimentares.
Ahahhahahhahahhahahhahahhahahhaha
ResponderEliminarMas tu não sabes que é absolutamente proibido (coisa de dar direito a uma pena prevista e punida pelo Código Penal Blogosférico) fazer uma qualquer reparo, por mais ínfimo que seja, ao trabalho de uma empregada doméstica?!
Pfffff.... Fascista!
* um qualquer reparo...
EliminarOlha quem fala!
EliminarLindo! A obra nefasta do protelariado escravizador em galopante progressão!
É isto que me deprime e me faz quedar como um desses filósofos alto, magro escanzelado, bêbedo e triste, doente e pálido encarando o mundo como se daí já nada haja a aproveitar, ou não valha a pena.
Até uns míseros cabazes são invejados. Ao que nós chegámos.
E de mais já disse.
Alto, magro escanzelado, bêbedo e triste?! A minha alma está parva (ainda mais)! Estava capaz de jurar, e sabe bem do meu desconforto com juras de ânimo leve, que o anónimo era o arquétipo da perfeição. Estou sem palavras. Agora vou ver se me despacho a tempo de ainda encontrar a Roberto em casa para lhe dar umas valentes chicotadas.
ResponderEliminarMuito bom! Essa está ao nível da do Sr. Agente da Autoridade que queria autuar a "outra" por ter estacionado no lugar destinado aos utentes da farmácia.... porque ela não trabalhava lá!
ResponderEliminar:DDDD
EliminarQuerem lá ver que os trabalhadores não utilizam a farmácia? Claro que utilizam, estão lá o dia inteiro! Que dúvidas são essas, Pitanga?
Pois, sabes como é, cenas de gaja loura! ;)
EliminarÉ um amor, apesar de limitada. Não sei se já estavas aí quando se deu o caso da "pequena Esmeralda", uma disputa entre um sargento da GNR e o pai biológico da criança. Na altura os telejornais não falavam de outra coisa senão na disputa entre o pai biológico e o pai adoptivo. Um dia perguntou-me o que era pai biológico, porque pai adoptado sabia o que era, mas biológico não. Na altura fiquei sem chão, não queria dizer-lhe que pai biológio era o pai verdadeiro (porque seria admitir que pais adoptivos não são pais verdadeiros), mas acabei por usar essa explicação e, muito sinceramente, ela nem se apercebeu dessa "subtileza" que a minha explicação continha. Às vezes damos certa informação que possuimos como dados adquiridos, de tão básica que é, mas na verdade está longe de ser assim.
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