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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Dúvidas existenciais

Há muitos, muitos anos, era eu uma criança... Não Mirone, que coisa tão básica, assim não.
No tempo em que os animais falavam... Também não. Ainda não é isto. Adiante.
No nono ano, fiz testes psicotécnicos para tentar perceber que área de estudos deveria  seguir. O resultado não foi uma surpresa. Artes! Temos artista, dizia o relatório. Bem, dizer, dizer, com as letras todas "temos artista", não dizia, mas sim, o meu futuro poderia passar por qualquer profissão ligada às artes e à criatividade. Como dizia, não era surpresa. A minha mãe ainda hoje conta orgulhosa que no fim da primeira classe a professora lhe pediu se podia ficar com um dos meus cadernos, porque "nunca tinha visto um tão limpinho e com desenhos tão perfeitinhos" (sic). É verdade, tinha a letra muito perfeita, minúscula (usava sempre um lápis muito afiado, ou, Tcharam!, o que mais nenhum colega tinha, uma lapiseira como as que via o meu pai usar e não descansei enquanto ele não me deu uma), pouco carregada, de maneira que quando precisava de apagar não ficavam aqueles borrões cinzentos. Os desenhos eram sempre perfeitinhos, com muitos pormenores, pintava sempre se sair dos contornos e não pintava as superfícies grandes "aos santos" (a professora dizia que pintar em diversas direcções era pintar aos santos). Mais tarde, os cincos a educação visual e a trabalhos manuais eram presença mais que garantida na minha pauta de avaliações. Três períodos por ano, cinco anos seguidos, lá estavam eles. Não falhou um único. "E olha que não costumo dar cincos no primeiro período!", diziam os professores. Leitores professores, peço-vos, eu que não percebo nada de pedagogia, se os vossos alunos tiverem excelentes notas no primeiro período dêem-lhe cinco. Um quatro injusto só porque não costumam ou não gostam de dar cincos no primeiro período é uma estupidez.
"Belas Artes? Arquitectura? Design? Que te parece Mirone?". 
Não! Nem pensar! Mas estão todos tolinhos, ou quê?! Tinha de medo do vazio de ideias. E se um dia me faltam ideias, se tenho uma branca de criatividade que dure para sempre? Uma pessoa pode ter uma técnica fantástica, ser um exímio executor e ser um péssimo criador. E se tenho de ir dar aulas de educação visual? Dar aulas é que não, que é preciso gostar muito e eu não sei se vou gostar de aturar alunos mal criados.
Não segui artes, mas continuei a gostar de fazer umas coisas, nomeadamente, pintar.
Há uns anos, estava em casa a "aboborar" e lembrei-me de ir pintar um bocado. "Boa ideia, Mirone! Já não pinto há uns tempos, estão aí os pincéis e as tintas e até estou aqui com umas ideias"... Pincelada para cá, pincelada para lá, muita técnica "del borrón" - uma técnica difícil exclusivíssima que desenvolvei - e, na minha ideia, ao longe e com os olhos semicerrados (ou sem óculos, sou míope) aquilo deveria ser a cara de uma gueixa, espécie, "coise"...  Não desgostei do resultado. A verdade é que o quadro me tem acompanhado pelas casas onde morei e ocupa um lugar de destaque no meu escritório de casa. 
Há dois ou três anos, numa festa de anos da Mironinho, convidei a família toda. Entre amigos e familiares, eram, seguramente, umas quarenta pessoas! Espalharam-se por onde puderam. A criançada no quarto, a brincar. As mães e tias pela cozinha a querer ajudar em alguma coisa. Os restantes adultos pela sala, pelo corredor, pelo escritório.
Entretanto, vem uma tia, a irmã mais velha do meu pai, que me puxa para si: 
- Ai Mironinho, estava ali no teu escritório e tens ali um quadro tão lindo. Foste tu que pintaste? Não está assinado. Se foste, vê-se bem que saíste ao nosso lado da família. Fico tão orgulhosa.
Com uma ponta de vaidade, por outro lado pensado "mas que raio quer ela dizer com vê-se bem que foste tu que pintaste", pergunto:
- Qual? Pintei vários.
- Aquele grande, o da Natália Correia! Sais ao teu pai. Do nosso lado da família sempre gostámos muito de poesia!

E pronto. De uma assentada percebi que fiz a escolha certa quando decidi não seguir artes. Que é igualmente acertado não assinar os quadros (Mas estás a assinar o quê Mirone? Deves pensar que tens aí uma rica obras, deves). Que sim, saio ao meu pai, gosto de poesia.
Agora estou aqui, a tentar agendar uns posts e estou com "uma branca". O vazio que tanto temia. Deixem-me olhar mais um bocadinho para a Natália Correia a ver se me inspiro.





7 comentários:

  1. Fica a questão obrigatória: afinal que área de estudos escolheste, Mirone?

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  2. Respostas
    1. olá Tio, vai escrever sobre mim? :)

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    2. Hum! Talvez não!
      Tanto quanto se saiba, não dar gorjeta só pode ser encarado como ligeiro delito de esquecimento e nunca julgado como crime assumido de pedantisto.
      Escapa, pressuponho!

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