Quando se tem uma família numerosa, os almoços de família são uma animação. Há sempre mais uma história da infância para contar, um acontecimento caricato que o passar dos anos promoveu de anedota a quase-lenda. Procuram-se fotografias, vai-se ao sótão buscar o projector de slides e a tela e viajamos no tempo, "Eish, lembro-me tão bem deste casaco!", "Olha, quando começaste a andar", "Oh, os primos todos, alinhados, desdentados, com as caixas de Bombocas que o avô Zé trazia! Gostava tanto de bombocas. Há uns anos voltaram, mas não são a mesma coisa". Abrem-se gavetas, vasculham-se caixas, a primeira madeixa de cabelo cortada, a caneta de aparo usada exame da quarta classe, "Posso ficar com ela mãe? Não, foi o avô que ma trouxe da Índia, é para ficar aqui, depois de eu morrer façam o que quiserem, mas por enquanto fica aqui". A primeira máquina fotográfica. As santinhas de papel que a avó coleccionava. Relíquias, à nossa maneira.
Ontem, em casa dos sogros, com os seus irmãos, "E lembras-te daquela vez que o tio padre nos levou a Santiago de Compostela? De termos sido levados pela Guardia Civil mal passámos a fronteira, porque acharam estranho que um padre levasse quatro criancinhas consigo?". "E a Tó, lembras-te da Tó, da galinha de estimação que trouxemos? Hei-de ter aí uma fotografia com ela ao ombro, como um papagaio dos piratas. Espera lá que vou procurar. A Mironinho é que vai gostar de ver o avô com uma galinha ao ombro". Também ali se abrem gavetas, vasculham-se caixas...
Até que, embrulhado num papel de seda amarelado pelo tempo, se apalpa qualquer coisa. "Que é isto? Deixa cá ver... Uhhhg! Dentes! Olha lá, para que é que queres isto?" Um papelinho manuscrito, desvenda o mistério. "Dentes de Javali que eu comi". Aparentemente, e na falta de uma máquina fotográfica que perpetuasse o momento, guardaram-se os dentes do bicho. "Isto foi uma vez que fui com o meu pai e com o primo Chico a Lavra, devia ter uns 10 anos. Foi a primeira vez que comi javali. Arranja-me uma bolsinha que é para guardar".
Em casa do meu sogro, na gaveta dos álbuns fotográficos, na "caixinha dos tesouros" repousam os dentes do primeiro javali que comeu, desta vez, com direito a registo fotográfico.
Será que alguma vez comeu elefante? Não me parece. Mas também, onde é que ia arranjar uma bolsinha suficientemente grande?
Adoro estas idas ao baú!
ResponderEliminarSaem sempre de lá tesourinhos inacreditáveis!
A quem o dizes!
Eliminar