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terça-feira, 26 de agosto de 2014

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Obrigada Inês Teotónio Pereira pela viagem às férias da minha infância em S. Pedro de Moel e que este ano também foram as férias da infância da Mironinho (só faltaram as brincadeiras no Bambi e no velho comboio de lata).
"(...)As minhas praias das férias grandes, as de Agosto, têm de ter água fria, ondas grandes, cheiro a limos e a algas, pocinhas nas rochas quando a maré está vazia, muito iodo e o tempo é sempre uma incerteza. São praias em que o mar vira quando muda a lua e em que a cor da bandeira quer mesmo dizer qualquer coisa. Praias em que os nadadores salvadores treinam para super-heróis porque todos os Verões salvam mesmo alguém. Praias onde os toldos têm como utilidade principal proteger da cacimba ou da nortada e não do sol que prefere ir passar férias ao Algarve.
Cresci assim. A jogar ao prego debaixo do toldo, a ir ao mar por diversão e como prova de valentia e não por estar com calor, em que só se punha fim aos banhos de mar quando se tinha a boca roxa, as extremidades do corpo anestesiadas e o fato de banho cheio de areia como prova de que tínhamos sobrevivido estoicamente à arrebentação. Cresci a ir para a praia de manhã para cumprir uma rotina, e porque era mais saudável, com a esperança de que o céu "abrisse" à hora de almoço e o sol desse um ar da sua graça. Nas minhas férias grandes as amizades que criei tinham como critério as crianças da minha idade que tinham os toldos ao lado do meu e uns pais que também achavam mais importante o "ar de mar" e o iodo que o calor ou o mar chão e quente.
Crescemos todos assim, em modo tribal. Donos e senhores das nossas praias, com gíria, hábitos e rotinas próprios e com mais iodo acumulado no corpo que escaldões. Nas minhas férias grandes a praia era um cenário, não era um fim. A praia servia para brincar, cimentar amizades durante um mês inteiro, ir às poças procurar qualquer coisa que mexesse e que se conseguisse apanhar para pôr no balde e para os nossos pais nos soltarem e descansarem de nós.
Durante um mês experimentávamos outra vida, outras rotinas e tínhamos outros amigos. 
Durante um mês experimentávamos outra vida, outras rotinas e tínhamos outros amigos. Só precisávamos dos pais para nos pagarem o bolo ou o gelado dia sim dia não. Éramos livres por 30 dias. A cacimba, a nortada e a água gelada eram pormenores que não interferiam na nossa felicidade. O que importava era a liberdade de andar em bando na praia ou fora dela sem horas para refeições e imunes às combinações. Todos os dias o cenário era o mesmo e a praia ia muito para além da areia e do mar. O cenário era toda uma vila por onde se andava a pé ou de bicicleta e onde se chocava em cada esquina com alguém que nos conhecia desde que nascemos. Todos os anos havia as mesmas festas, os mesmos jogos, as mesmas pessoas, os mesmos cafés, os mesmos baloiços e as pocinhas nas rochas nunca mudaram de sítio.
Nunca soube o que era ir passar férias para a praia exclusivamente para apanhar sol. Na minha perspectiva o sol era um bónus nas férias. Nas férias fugíamos no calor da cidade - íamos ser livres e soltos para o fresquinho da beira-mar e para sítios que faziam com que os dentes dos bebés crescessem mais depressa.
Apesar de os tempos terem mudado, de o Algarve ser um destino de férias de gabarito mundial e de serem cada vez mais escassos os períodos de férias que os pais conseguem ter com os filhos, as minhas férias grandes não mudaram. Com mais ou menos semanas mantenho estas rotinas com os meus filhos. Também eles não sabem o que é passar férias no Algarve e também eles dominam o jogo do prego e o enrola na arrebentação quando a bandeira está amarela. Eles sabem que à hora de almoço o céu abre e que o mar vira quando a lua muda.
As poucas coisas que conseguimos dar aos nossos filhos são memórias. E as memórias das férias grandes, das pocinhas das rochas que nunca mudam de sítio, são uma linha inquebrável entre nós e eles."

5 comentários:

  1. Essa é a minha praia :). O comboio de lata há muito que está guardado mas deixou muitas, muitas saudades.

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    1. Deixou sim. Brinquei tanto nele.

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    2. Era o spot preferido de brincadeiras, até porque não havia escorregas e baloiços e parques infantis...

      Mais tarde na adolescência era o Snoobar e a HotRio que tb encerraram. E este ano até as piscinas se foram :(.

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    3. Ainda há dias falava sobre o complexo das piscinas com a minha vizinha de toldo.
      É verdade que todos lamentamos que este ano não tenham aberto, é verdade que todos guardamos as melhores recordações daquele espaço, do Snoobar, da HotRio e do Cheers e é verdade que todos o gostariamos de os ver a fervilhar de vida. Mas também é verdade que é um espaço particular e que há razões muito fortes (€€€€€€) para a sua não abertura. Acredito que entretanto será encontrada uma solução, mas enquanto não aparecerem investidores de vulto, e quem orquestre uma recuperação com pernas para andar - e isso não se faz com manobras de maquilhagem, uma lambidela de tinta e janelas novas - não me parece legítimo exigir a um privado que gaste o seu dinheiro sabendo que só vai ter prejuízo pelo simples facto de manter vivas as memórias de quem ali foi muito feliz. Até porque, em última instância, foram essas pessoas, as que hoje lamentam o encerramento daquelas instalações, que paulatinamente deixaram de lá ir, impediram que se gerasse lucro, que o negócio fosse rentável.
      Comparo um pouco esta situação à das salas de cinema históricas que acabam por encerrar entre choros e lamentos de antigos clientes que se esquecem que foi precisamente por terem deixado de lá ir que os cinemas acabaram por encerrar. Se lhes perguntarmos se querem ver as salas abertas, pois respondem prontamente que sim, mas se lhes perguntarem quanto estão dispostos a pagar por isso ou de que forma contribuiram para que não fechasse, então a conversa muda completamente, não é problema seu, as entidades públicas e os donos é que têm de encontrar uma solução. É muito mais fácil dar palpites sobre o dinheiro dos outros e como deve ser gasto em nosso benefício.

      PS - Esta resposta não tem nada a ver com o teu comentário Lady-m, é só um desabafo :D

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    4. Concordo plenamente contigo Mirone. Eu moro a 5 minutos desta praia e a verdade é que os espaços começaram a ficar vazios, a geração que os enchia deixou de os frequentar e a geração que veio a seguir tem gostos diferentes. A verdade é que nos últimos anos os espaços noturnos em geral deixaram de ter a afluência que tinham e se aqueles espaços estavam a rebentar pelas costuras nas noites de verão de há 20 e 15 anos nos anos mais recentes isso não acontecia e manter um espaço daqueles não é de todo barato. As piscinas nos últimos anos estavam a degradar-se a olhos vistos e de ano para ano a unica coisa feita era um lavar de cara, até porque há vários anos que se falava na venda das mesmas e que esse seria o último ano em funcionamento. Durante 3 ou 4 anos foi sempre o último ano e a degradação a que chegaram afastaram também muitos clientes.

      Sei que houve mais do que razões válidas para o seu encerramento, mas o que me deixa saudades são estes espaços há 15 anos atrás e não estes espaços dos últimos anos que já nada tinham a ver na minha opinião.

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