Acredito que, pelo menos uma vez na vida, já todos tenhamos sido abordados na rua por alguém que nos queria vender qualquer coisa.
No meu caso, já tive abordagens por parte de desconhecidos para todos os gostos. Só não me abordaram para oferecer flores, isso seria
Impulse. Mas para vender já (Quéfrô?).
Já me perguntaram se queria comprar xamon, em plena luz do dia, na rua Augusta. Já me perguntaram se queria o troco de uma bebida em euros ou em haxixe, num bar de Cáceres, na passagem de ano em que o Euro entrou em circulação. Parada nas filas de trânsito já me tentaram vender canetas, calendários, o Borda d'Água, tentaram vender pensos rápidos, ler a sina. Já me quiseram vender óculos de sol, bikinis, estatuetas e relógios na praia, já me tentaram vender roupa contrafeita na Praça de Londres. Já me tentaram vender cartões de crédito, semanas de time-sharing e colchões ortopédicos. Já me tentaram vender refeições, passeios de barco. Já me tentaram vender "uma tarde bem passada", massagens com happy-ending. Mais lícitos, menos lícitos, mais legais, absolutamente ilegais, já me abordaram de muitas formas. Sem grande dificuldade, e apesar da surpresa ou incómodo causado pela proposta, tenho recusado pacificamente quase todas as ofertas (quando na escola da Mironinho os meninos do quarto ano me perguntam se quero comprar bolachinhas ou compotas para ajudar a pagar a viagem de finalistas, cedo, confesso).
Há dias, porém, propuseram-me um negócio que ainda não sei se fiz bem recusar, tão assustador quanto inesperado, à porta do supermercado. Trinta segundos de terror. O "vendedor", rondava os 30 e tal, 40 anos no máximo. Encontrando-me graciosamente inclinada sobre a minha fabulosa viatura (que é como quem diz, de rabo no ar, de carteira e saco de compras numa mão, chave do carro na boca, a outra a pôr o cinto na Mironinho), senti um vulto aproximar-se.
- Boa tarde minha senhora.
- Boa tarde (Daniel Oliveira, se os meus olhos falassem diziam "ai que susto, que voz tão cavernosa, querem ver que me vai assaltar? Não faça mal à Mironinho, pelo amor de Deus, leve lá os iogurtes, a manteiga e o detergente para a louça, leve a carteira, deixe-me só os documentos, leve o carro. Ou será uma droga nova?"... Como se pode ver sou uma pessoa extremamente optimista e nunca penso no pior).
- Precisa de ovos?
- Ovos?! (Daniel, agora diziam "oh meu Deus, é uma variação daquilo de atirarem um ovo para o para-brisas enquanto estamos no semáforo e agora vão levar o carro. Porquê? Ainda se fosse um carro de alta cilindrada. Não tenho sorte nenhuma!")
- Sim, de galinha. A 1,20 a dúzia.
- Ovos de galinha?! (Isto tem truque, mantém a calma Mirone que há aqui muitas pessoas a entrar e a sair, ele não vai tentar nenhum disparate)
- Sim, a 1,20 a dúzia.
- Se lhe quero comprar ovos? (Cabelo e barba castanhos, olhos esverdeados, casaco polar cinzento, calças de ganga azuis, se a polícia perguntar tenho de me lembrar...)
- Sim, caseiros.
- Ovos de galinha?! (Se ao menos tivesse uma cicatriz, qualquer sinal que o identificasse. Este lusco-fusco também não ajuda nada.)
- A 1,20 a dúzia. São caseiros, eu e a minha senhora estamos desempregados e sem subsídio...
- Não, só precisava mesmo de iogurtes, manteiga e pastilhas para a máquina (Estúpida, Mirone! És tão estúpida!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!).
É que nem dormi em condições a sonhar com a porcaria do euro e vinte, que a mim não me fazia mossa, mesmo sem precisar dos ovos, e a eles se calhar tinha feito a diferença.