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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Luto*

Ligou-me há poucos minutos a avó de Mr. Mirone a contar, consternada, que morreu a sua vizinha Amélia, sozinha, no hospital, com pneumonia, que no funeral realizado esta tarde não estavam mais de dez pessoas.
Conheci-a há 8 anos, exactamente como era agora, mulher de poucas falas, magra, baixinha, com o cabelo branco, muito curto, de olhos encovados, curvada sobre si mesma. Como de si mesma era uma sombra. Não porque tivesse perdido o viço da juventude, mas porque cada passo lento e arrastado, inseguro, instável, doloroso era tão só a projecção do que tinha sido todo a sua vida.
Nasceu em noite escura de temporal, como a noite negra, fria. A mãe julgou-a morta. Valeu-lhe uma parteira tão crente quanto experiente que quis batizá-la, não fosse o anjinho perder-se no purgatório e lhe sentiu a respiração. O pai rejeitou-a, como antes rejeitou a irmã, esperava um filho homem, que pudesse perpetuar o nome da família, porque era tão só do nome que se tratava, não lhe eram conhecidas riquezas nem propriedades. Casou cedo para fugir do pai violento. Não teve melhor sorte, Amélia. Contava às poucas vizinhas com quem falava que o marido só lhe deu duas coisas na vida, tareia e amantes. Nunca teve filhos, "Nem Deus me quer bem, senão tinha-me dado a esmola de alcançar". Há seis meses enviuvou e vestiu-se de um negro cerrado que nunca tirou. Chorou durante dias a fio. Tornou-se ainda mais triste, fechou-se em casa e até as poucas saídas que o marido a autorizava fazer, poucas mais do que as indispensáveis, padaria, supermercado e farmácia, quis pôr de parte. "Ó dona Amélia, mas porquê esse luto carregado, se ele era tão mauzinho para si?". Dizia que o luto não era por ele, era por si que se sem lutar se deixou matar a vida toda.
Amélia foi a enterrar hoje, à chuva, vestida de negro, como nasceu. Cobriu-se de lama a urna que a vai guardar.

*Lu-to: 
(substantivo masculino) 
1. (latim luctus, -us)Sentimento de perda, pesar, pela morte de alguém. Trage usado em sinal de luto morte de alguém. Período subsequente à morte de alguém em que é costume usar esse trage ou limitar alguns comportamentos. Período durante o qual um indivíduo consegue desligar-se progressivamente da perda de um ente querido. Sofrimento ou desgosto.
2. (latim luctim, -i) Massa argilosa usada para tapar hermeticamente fendas de vasilhas. Lama, lodo.

(1.ª pessoa singular do presente do indicativo do verbo lutar)

Lutar
(verbo)
1.(latim luctor, -ari) Travar luta. Esforçar-se, empenhar-se. Opor-se a, oferecer resistência. Trabalhar com afinco. Questionar, discutir.
2. (latim luto, -are) Revestir com luto. Tapar com luto. Revestir com lama, de barro ou argila.
Lutou·to 1
(latim luctus, -us)

substantivo masculino

1. Sentimento, pesar pela morte de alguém. = NOJO

2. Traje usado em sinal de luto pela morte de alguém. =

3. Período após a morte de alguém em que é costume usar esse traje ou limitar determinados comportamentos. = , NOJO

4. [Psicanálise]  Processo durante o qual um indivíduo consegue desligar-se progressivamente da perda de um ente querido.

5. Sofrimento ou desgosto.
Confrontar: loto.

lu·to 2
(latim lutum, -i, lama, lodo)

substantivo masculino

Massa argilosa para tapar hermeticamente fendas de vasilhas.


"luto", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/luto [consultado em 26-02-2015].
u·to 1
(latim luctus, -us)

substantivo masculino

1. Sentimento, pesar pela morte de alguém. = NOJO

2. Traje usado em sinal de luto pela morte de alguém. =

3. Período após a morte de alguém em que é costume usar esse traje ou limitar determinados comportamentos. = , NOJO

4. [Psicanálise]  Processo durante o qual um indivíduo consegue desligar-se progressivamente da perda de um ente querido.

5. Sofrimento ou desgosto.
Confrontar: loto.

lu·to 2
(latim lutum, -i, lama, lodo)

substantivo masculino

Massa argilosa para tapar hermeticamente fendas de vasilhas.


"luto", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/luto [consultado em 26-02-2015].

6 comentários:

  1. que escrita linda e tocante.
    Existem tantas amélias............. paz à sua alma.

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  2. Belíssimo, tocante, profundo texto. Só se morre pelo que não se faz.

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  3. Que vida triste dessa Senhora!! Que esteja em Paz!!1

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  4. Gostei muito da sua escrita. Parabéns pelo texto!

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