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segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Da consciência da finitude e dos nomes bordados no interior dos casacos

A pele curtida do sol dava-lha mais 20 anos do que aqueles que realmente tinha e a camisa coçada do sol colada ao corpo seco, ossudo e suado deixava adivinhar a corcunda precoce de quem desde os 10 anos carregava sobre os ombros frágeis o peso do mundo, primeiro a puxar, com os bois, as redes de pesca, depois tijolo de burro e baldes de areia, quando construíram a lota nova. Quando fez dezasseis anos fartou-se do mar e emigrou. Ficou pouco tempo, a França não era para ele, tinha fome, frio, lembrava-se que na praia nunca lhe faltou o que comer e o cunhado dizia-lhe que quando abrissem a estrada nova iam precisar de madeireiros. Depois de trinta e cinco anos a cortar pinheiros e a desmatar, os médicos disseram-lhe que a coluna não aguentaria muito mais tempo, que depois de operado teria de mudar de vida, reformaram-no e ele passou a limpar uns terrenos, "para a morte não vir tão depressa". "Ó engenheiro, não tinha de cá vir de propósito, pagava depois. Então, o que me diz? O sacana deu luta mas veio abaixo, não foi mais teimoso que eu. Tem aqui lenha para meia dúzia de invernos". Dobrou o cheque sem o ler e guardou-o no bolso da camisa, "Carago, anda um gajo a matar-se uma vida para comprar um fato, que é a única coisa c'a gente leva" 


14 comentários:

  1. Coluna vertebral é o que falta a muito boa gente.

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  2. "O estranho caso do homem que bordava o nome completo no interior de um casaco barato".

    Alinha?

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    1. Logo mais pela fresca.

      (Este de hoje dificilmente teria essa preocupação)

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  3. Sabe, para la de gostar de a ler, não me choca um monograma, bordado no bolso interno dum casaco barato, ou a prata ou puro na carteira de pele, tenho para mim que, são mimos velhos, que alguns gostam de conservar, num mundo cada vez mais ausente de mimos, e de valores também.

    PS: A marca sacoor nem é tão barata assim, para a maioria das bolsas deste jardim de flores murchas, à beira mar plantado, são até proibitivos. Quem falou em qualidade? Eu não! que não tenho nenhum e, por isso, não lhe conheço o toque. :-)

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    1. Não é o monograma, noname, é o nome completo.

      (E sim, um fato mandado fazer num modesto alfaiate, e não numa alfaiataria de renome, é capaz de ficar mais barato que o tal sacoor).

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  4. Entretanto o Pipoco não esperou pela tua conversa e deu a volta de forma genial. Escolheu a Cuca. Oh.

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    1. Oh?! Repito. Oh?!

      Pois eu acho que escolheu muitíssimo bem! a nossa capitã escreve como ninguém!
      Oh seria se me tivesse escolhido, em jeito de pescadinha de rabo na boca.

      Se ninguém o indicar para dar seguimento à corrente, anónimo, saiba que aqui tem a caixa de comentários à sua disposição para nos contar a sua versão do estranho caso do homem que mandava bordar o nome...

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  5. Nós, os ricos, é outra loiça.

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    1. São sim, vista Alegra chinesa :-)

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    2. Limoges...Barca Velha :)

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    3. Até pensei que poderiam ajudar o que é nacional carago :-)

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    4. Anónimo disse...
      Nacional? O que é nacional é pobre.
      Quer agora, se calhar, passar um atestado de menoridade ao povo brasonado, é?

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