Falam-se línguas (translate)

quinta-feira, 30 de março de 2017

Agricultores e botânicos, elucidem-me, por favor

É possível que estas sejam flores de cebola? Pelo cheiro tudo indica que sim.
De que outra forma se explica que o bibe da Mironinho, de cujo bolso retirei este tesouro, cheire tão mal?

Por ocasião da Páscoa, uma estorieta sobre os ovos e as galinhas e a (in)certeza a sua existência...

A carta dirigida aos herdeiros do Paizinho chegou em Janeiro, quando menos se esperava, pouco antes de passar um ano sobre a sua morte, e informava-os de que havia por resgatar um prémio de seguro, cujo valor não se especificava, a favor dos seus herdeiros, solicitando o envio de alguma informação e documentação caso estivessem os mesmos interessados em recebê-lo. Lembrou-se então de um desabafo do Paizinho, pouco tempo antes de morrer,  e que na altura achou serem devaneios de um doente terminal que nos últimos tempos já apresentava alguns sinais de demência, sobre um tal fundo de quinze contos que subscreveu por ocasião da sua comissão de serviço na Índia, não fosse acontecer-lhe alguma desgraça e ficarem desvalidos a viúva doente e os dois anjinhos de colo que cá deixara. Afinal o fundo existia! Inchou-se-lhe o peito, como incha sempre o peito dos avarentos quando o assunto é dinheiro, brilharam-lhe os olhos míopes atrás das lentes grossas e apertou a carta no bolso do casaco. Quinze contos naquela altura, há mais de sessenta anos, era dinheiro. Mentalmente imaginou uma possível actualização monetária e concluiu que teria a receber uns bons milhares de euros. Dinheiro nunca vem em dia de jejum e aquele havia de ser só seu, que o irmão não precisava e o mais certo era a cunhada esterroá-lo em roupas e cabeleireiros.
Nessa noite martelou com entusiasmo as teclas do computador e redigiu a resposta à carta, que o Paizinho morreu viúvo, conforme cópia de certidão que juntava, e deixara apenas dois filhos, esta que escrevia e um outro com quem não tinha contacto, mas que estaria disposta a receber a quantia em causa e a envidar os esforços necessários para fazer chegar o quinhão devido ao outro herdeiro. Então não, coração? O irmão e sobretudo a toleirona da mulher que esperassem sentados, a lambisgóia a cunhada não haveria de ver a cor àquele dinheiro.
Quase quatro semanas volvidas chegou nova carta. Sentiu o peito crescer-lhe outra vez e os olhos pequenos a brilhar. Seria o cheque, um vale postal? Andaria o prémio muito longe dos seus cálculos? Rasgou o envelope apressada. Ah! Ora essa?! A identificação de todos as herdeiros? Habilitação de herdeiros?! NIF?! IBAN?! Pois se tão voluntariosamente se tinha disponibilizado para fazer chegar ao outro herdeiro o seu quinhão, para quereriam eles a sua identificação, NIF e IBAN?! Guardou a carta numa gaveta durante vários dias na esperança de entretanto encontrar uma solução para não ter de partilhar  o pecúlio. Talvez se falasse com um advogado, um padre seu amigo ou uma as muitas freiras as suas relações... Mas como lhes explicaria ela os seus intentos sem sujar a imagem de mulher séria e católica exemplar que a todo o custo fazia por passar? Conformou-se com a ideia de partilhar o prémio do seguro com o irmão e a peneirenta da cunhada. Meteu a carta no bolso e saiu de casa, desceu dois andares e tocou à campainha. Pediu desculpa por interromper o jantar, mas tinha chegado uma carta para o Paizinho, por causa de um seguro que fez quando foi para a Índia. Parecia que precisavam de umas coisas suas, nem sabia muito bem, achava que era para receber um prémio. Depois, quando pudesse, preenchesse aquela folha que tinha de se mandar para lá.


O dinheiro veio mais de um mês depois, acompanhado de uma declaração para efeitos fiscais. Foram-lhe creditados trinta e nove euros e doze cêntimos na conta. O irmão recebeu outro tanto.

sexta-feira, 24 de março de 2017

De toda a perfeição com que foi dotada

... destaca-se na Mironinho a perfeita corrente de motosserra que lhe nasceu no lugar dos dentes.
Hoje é dia de marcar consulta no ortodentista.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Louder than bombs

Aquele momento em que constatas que, em ocasiões e por motivos completamente distintos e nenhum deles relacionado com a diminuição das suas capacidades cognitivas, acompanhando os teus pais a uma consulta, os médicos falam mais para ti do que para eles.

Ainda não estou preparada. Eles também não.

terça-feira, 21 de março de 2017

Informação inútil que retenho

A Pizzaria Padrinho em Lamego tinha uma espécie de massa de frigorífico* chamada Macarronada à serra das Meadas.









*uma espécie e carbonara com tudo o que há no frigorífico.

sexta-feira, 17 de março de 2017

É sexta-feira, as pessoas estão cansadas e querem ir para casa

Tenham respeito por quem trabalha, imbecis que acham bem fazer telefonemas com ameaças de bomba numa estação de comboios.

Depois a pessoa encontra-se em Torres Novas, dali ao Entroncamento é um pulinho

E, convidada para almoçar sushi, sim senhor, que seja, dá-se com este fenómeno.
California de atum em lata.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Mas depois só me lembro do Leonardo di Caprio e do Titanic

Tenho tentado ouvir com atenção o que diz Geert Wilders...


Tentei fazer o mesmo com a Marine le Pen e é fácil perceber porque está tão bem posicionada nas sondagens. Será por dar uns ares de Helen Mirren?

segunda-feira, 6 de março de 2017

Aquilo dos sete anos de azar

Só se aplica aos espelhos, não é? Não se aplica, por analogia, a flutues e copos de vinho que por serem delicados e de grande valor sentimental, não quisemos lavar na máquina, alinhámos na bancada da cozinha para lavarmos à mão, e que inadvertidamente derrubámos com uma cotovelada,  num efeito dominó lindo, pois não?

É que assim de repente já me parece azar que chegue.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Lá se foi o efeito relaxante

Tenho andado com umas dores aborrecidas no pescoço e um destes dias decidi aproveitar a hora de almoço para fazer uma massagem num SPA todo muito holístico-shangrila-lalala. Vou lá com alguma frequência e aquelas massagens, não fazendo bem, mal também não fazem, sempre são uns minutinhos de mimo que nos proporcionamos.
Por coincidência (foi o diabo, o diabo, como diria Ricardo Salgado), estava a decorrer uma espécie de open day, para apresentação de uns novos produtos, e propuseram-me que fizesse antes uma massagem corporal completa, de relaxamento profundo, com uma massagista nova. Em vez dos vinte minutos da massagem que tinha marcada, demoraria perto de uma hora, mas sairia de lá a sentir-me nas nuvens, asseguravam. Pois com certeza, venha daí a massagem corporal completa de relaxamento profundo! 
Do tempo todo que lá estive, demorei uns quarenta e cinco minutos a abstrair-me a musiquinha de fundo (barulhinhos de água a correr na natureza parecem-me bem mas dão uma vontade louca de... pois, um stress) e da ideia de ter uma tal de Svetlana a besuntar-me da cabeça aos pés (deve ser a parte da profundidade, só faltou perguntar-me se queria um happy ending, que constrangimento, meus amigos), mas lá para o fim pois que sim senhora, que isto é tudo muito bom, ai que relaxada me sinto, onde é que a Svetlana andou toda a minha vida? E que bem que cheiram estes produtos, que macia está a minha pele! Então diga-me lá, Svetlana, que produtos-maravilha são estes? 

Ronhonhó-ronhonhó-enzimas-ronhonhó-colostro bovino...


Mas porque é que eu pergunto estas coisas, porquê?











quinta-feira, 2 de março de 2017

Como o imperador Sérvio Sulpício Galba, bisneto de Quinto Cátulo Capitolino

A cozinha tinha três portas e uma só janela, sobranceira à pequena vinha. No topo das escadas que vinham da adega ficava uma porta que dava para um corredor largo que ligava o corpo principal da casa a uma casa de banho, quarto e sala com saída independente, que  Ramiro Ribeiro mandou construir quando a filha casou, na esperança de que esta não trocasse os saudáveis ares do campo por um apartamento na cidade, que ideia a tua, Belinha, a de comprar uma casa onde nem o chão nem o tecto são teus, se esta casa um dia há-de ser toda tua. Para trás das escadas ficava uma segunda porta que dava para a saleta, um quarto pequeno com uma alcatifa rosa-velho, condizente com o papel de parede e o sofá de veludo, uma camilha onde se tomavam algumas refeições ligeiras e que nas noites de inverno escondia uma braseira, um aparador onde estava a televisão e uma pequena mesa veladora que uma vez por mês recebia o oratório da sagrada família em périplo por todas as casas do lugar. A terceira porta dava para o corpo principal da casa.  Era uma cozinha ampla, forrada a azulejos brancos até meia altura, com móveis baixos pintados de cor de tijolo e tampos de pedra em todo o seu comprimento e uma mesa redonda no centro. Debaixo da grande chaminé havia espaço para o então moderno fogão com forno a gás e um velho fogão a lenha, de ferro esmaltado castanho, onde se faziam os assados de domingo.

Por aqueles dias faziam-se as grandes limpezas de primavera e preparava-se a casa para receber o compasso quando por alguma das janelas e portas abertas entrou na cozinha Sulpício, o gato da vizinha Celeste, uma pobre desgraçada que casou tarde, quando já ninguém a queria, com um borracho sem fé nem confissão, motivo suficiente para que o temente a Deus Ramiro Ribeiro, vindo da saleta após restauradora sesta no sofá, quisesse correr com ele à vassourada. Sulpício eriçava o pelo assustado, desviava-se como podia da ira de Ramiro, enquanto saltava de cima da mesa para as bancadas, derrubando o que se lhe interpusesse pela frente, em busca da janela por onde tinha entrado, mas não encontrou outra escapatória senão trepando a chaminé de ferro do velho forno a lenha que se estendia para dentro da chaminé de pedra.
Mãe do céu, o que vem a ser esta algazarra, Ramiro? Foi o tinhoso do Sulpício que aqui entrou mas deixa estar, Milinha, que já corri com ele. 
Dois dias se passaram, as limpezas concluiram-se, as janelas fecharam-se e de Sulpício nenhum sinal. Por duas vezes perguntou a vizinha Celeste pelo seu Sulpício, por duas vezes Milinha lamentou nada saber que era feito do bichano, duas vezes garantiu que haveria de perguntar ao marido se o tinha visto. Estás doida mulher, alguma vez fazia mal à criatura? Dei-lhe umas valentes vassouradas mas pela maneira como saiu a correr chaminé acima ia cheio de saúde.

O domingo de Páscoa chegou e logo pela manhã Ramiro saiu para colher folhagem dos lírios que cresciam ao fundo da vinha para juncar o caminho que ligava a rua à entrada da casa, e mostrar ao prior que naquela casa se desejava receber a benção do Senhor. Milinha atarefava-se na cozinha que a ocasião pedia um assado e a Belinha, agora de esperanças, devia estar a chegar com Alfredo. Abriu a porta direita do forno, deitou-lhe dentro pinhas, caruma seca, gravetos e cavacas, depois chegou-lhe um fósforo para acender o lume. Ora essa?! Mas será que ao fim de tantos anos logo hoje o fogão havia de começar a fumar mal? Ai que me fica a casa a cheirar a fumeiro. Espera que te digo, amarroto já uns jornais a ver se o fogo arrebita ou não. Ai arrebita sim senhor!
As chamas eram agora fortes, o calor haveria de fazer o fumo subir, não se chamasse ela Emília da Conceição. O calor e o fumo subiam pela chaminé de ferro, quando se ouviu um estrondo seguido d um miar assustado... Catapum, catapum,catapum, méoooooo!
Era Sulpício, o gato da vizinha Celeste que há três dias estava em imposto exílio, encavalitado no topo da chaminé de ferro, dentro da de pedra, temendo pela vida caso se cruzasse com a vassoura de Ramiro, e que agora se via expulso do seu esconderijo pelo fumo quente e denso.

Contou o senhor Ribeiro que regressava do fundo da vinha quando o viu sair da chaminé e correr como um foguete telhado fora.
Enquanto viveu contou a mesma história sempre que algum gato atrevido passou as portas da cozinha. Contou-a à Belinha, contou-a à filha da Belinha, e ainda viveu para contá-la à filha da filha da Belinha, que garante que se um dia tiver um gato há-de chamar-lhe Sulpício, como o gato voador que o bisavô fez trepar a chaminé da cozinha.


No animal was harmed in the making of this post.