sexta-feira, 18 de março de 2016

Depois da vergonha vem a culpa

Fico sempre constrangida quando vejo alguém mendigar. Se por um lado me parece que a condição humana se mostra ali no seu mais baixo patamar, não consigo ficar indiferente e sou impelida a ajudar, por outro tenho perfeita noção de que uma moeda não é a ajuda de que a pessoa precisa e até pode perpetuar e agravar aquela condição.
Ontem depois do almoço cruzei-me com um homem talvez na casa dos 30/40, de mão estendida, a pedir "uma moedinha para comer". Por saber que é toxicodependente e que muito provavelmente a moeda que lhe ia dar não seria para comprar uma sopa mas antes para comprar o "caldo", disse não com a cabeça e segui. "É para comer, senhora, sou sem abrigo e não posso trabalhar, caí de um quinto andar nas Caldas da Rainha...".
Ele há horas do demo, meus amigos, e aquela foi uma delas, soltei uma gargalhada ruidosa. Que estúpida, Mirone! Como podes rir-te da desgraça alheia? Era quem te desse com um gato morto até ele miar!
Estive mal, verdadeiramente mal, sei que foi muito baixo e reles,  mas naquele momento só me ocorria perguntar-lhe "Caiu de um quinto andar nas Caldas?! Xiii, e veio a rebolar até aqui?!".


19 comentários:

  1. Há uns anos esperava pela minha mãe à porta de um supermercado depois do avio mensal, quando vem um agarradito ter comigo:
    -Pá arranja-me ai uns trocos para comer!
    -Faço melhor, pá! Tenho aqui pão fresco, queijo, fiambre, vou-te fazer uma sandocha daquelas...
    O gajo voltou-me as costas e afastou-se!
    Mas não tendo ficado contente, daí a pouco voltou.
    -Pá, eu sei que sabes como é... Só me falta um pintor para ir buscar produto e tou memo a ressacar...
    -E vens pedir-me dinheiro para essa merda? Pá, eu sei que deves ter no bolso mais do que aquilo que ganho em dois ou três dias de trabalho, e que o conseguiste em duas ou três horas aqui a fingir que arrumas carros. Pegas no dinheiro, compras umas roupas decentes, comes uma boa refeição, e fazes-te à vida, que eu não tenho pena nenhuma de ti!
    -Pá mas preciso mesmo...
    -de um par de estalos na tromba e uma boa dose de amor próprio! Então achas que eu ia tirar daquilo que me sai do lombo para tu ires queimar o cérebro? Ganha juízo, pá! Com o que sacas aqui todos os dias já tinhas comprado uma casa, um bom carro e levavas uma vidinha em condições!
    O gajo afastou-se envergonhado e eu voltei à minha vidita..
    Uma ou duas semanas depois apareceu morto com uma overdose...
    ...pelo menos não me pesou na consciência!

    (por mais que te tenhas ficado a sentir mal, às vezes convém dar-lhes um estalo na tromba!)

    :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu não me senti mal por não lhe dar dinheiro, foi só por ter gargalhado quando ele contou que tinha caído do quinto andar (causando-lhe sequelas que, segundo ele, o impedem de trabalhar).

      Eliminar
    2. Mas acho que não devias ter-te sentido mal de dar a gargalhada! E até lhe devias ter dito na tromba o que pensaste!
      Tenho muita pena de muita gente, mas não de agarrados ao cavalo! Ninguém os obriga a pôr aquilo nas veias e conheço muitos que saíram daquilo sem ser preciso programas caríssimos!
      Amor próprio e força de vontade fazem milagres!

      :)

      Eliminar
    3. Pois... Não consigo dizer assim as coisas tão friamente. É claro que ninguém os obrigou a drogar-se num primeiro momento, mas depois de viciados nem todos têm a estrutura mental para se erguerem com um estalar de dedos (provavelmente nunca tiveram).
      Mas se o voltar a ver hoje cou ver se continuo sem lhe dar a moedinha.

      Eliminar
  2. Rir assim à descarada nunca me aconteceu. Mas rir interiormente já :))
    Não sei qual será pior :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. À descarada é pior.
      Caiu nas Caldas da Rainha e está aqui?! Eh lá, isso é que foi uma queda!

      Eliminar
  3. Isso de cair nas Caldas era efeito da tal..... ;)

    ResponderEliminar
  4. Isso de cair nas Caldas era efeito da tal..... ;)

    ResponderEliminar
  5. Estava eu no primeiro ano da faculdade, na altura em que um paposseco (carcaça) custava 11$00, saí na Cidade Universitária, e ainda dentro da zona do metro, veio uma miudita, ar de cigana, 13/15 anos, dizer que tinha fome se lhe podia dar dinheiro para comer o pequeno almoço.
    R faz os cálculos às moedas que tinha na carteira e quanto tempo faltava para o fim do mês, tira 20$00 e coloca-lhe na mão.
    Resposta da miúda "ah, isto não chega para um bolo, eu quero 100$00"
    "Ai é?" Pergunto eu "olha eu ao pequeno almoço como pão com manteiga e isso já sobra para um paposseco,mas se não queres 20$00 deixa estar" e mandei a minha mão, tirei-lhe os 20$00 e fui-me embora

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sei lá o que pensar dessas miúdas, alguns não aceitam comida porque os pais ou quem exerce "poder" sobre elas lhes exigem dinheiro... Agora porque prefere um bolo, enfim...

      Eliminar
  6. Mi, acho que devia ter dado a moeda ao senhor. E não se devia ter rido. A vida tem sido boa comigo e consigo, mas não o é com toda a gente.
    Nós sabemos lá o sofrimento que por aí vai?...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Daí a culpa... Mas se hoje o encontrar não lhe vou dar a moeda. Se ele quiser até lhe pago a refeição, mas não lhe darei dinheiro.

      Eliminar
    2. Na minha modesta opinião, faz mal.
      Penso que está a partir do pressuposto, errado, de que consegue avaliar melhor a vida e necessidades do sem abrigo, do que ele próprio.
      E não, não acho que seja estupendo ir gastar o dinheiro em álcool ou droga. No entanto, nós não somos ninguém para ajuizar do profundo sofrimento dos outros.
      Peço desculpa, mas parece-me que a Mi estará a pensar: o que te está mesmo a fazer falta é um caldo verde e uma dose de bacalhau à brás. Nós sabemos lá...

      Eliminar
    3. São duas culpas, anónimo. Se não dou fico a pensar que fui egoista, se dou fico a pensar que perpetuei uma situação. Custa-me dar dinheiro para drogar, porque aquele dinheiro vai ser muito mais proveitoso para o traficante do que o proveito que uma dose de heroína possa proporcionar ao sem abrigo.

      Eliminar
  7. Todos nós temos momentos dos quais não nos orgulhamos. Não faz de nós más pessoas... faz de nós humanos :)

    ResponderEliminar
  8. Há coisas que me irritam profundamente e alguns mendigos são exemplo disso.

    Há uns tempos à frente de um Lidl (e estava eu desempregada) veio uma romena, nos seus 20s gravida, ter comigo "dar moedinha que eu tenho 3 filhos em casa, estou desempregada e não tenho dinheiro para lhes dar de comer".
    Eu disse-lhe que não tinha nada e ela mandou-me uma boca qualquer sobre ter e não querer dar.

    Opa saltou-me a tampa. Já a via ali dias a fio (são daqueles que chegam lá de manhã nas carrinhas Mercedes, cujos "patrões" lhes vem dar almoço e recolher as mesmas à noite depois do dia de trabalho - só quem for estupido é que não vê que isto é esquema).

    Mas como disse, saltou-me a tampa.
    Portanto, de-lhe uma desanda: primeiro se não tem dinheiro para dar de comer a 3 filhos estava a ser irresponsável e má mãe ao engravidar de outro, e se tinha 3 filhos em casa desempregada o que estava a fazer ali grávida todo o dia em pé em vez de estar com eles já que não andava a procurar trabalho e não. Se, como dizia, não tinha ninguém que a ajudasse com quem estavam os supostos filhos dela? Sozinhos em casa? Com quem? Além disso se estava assim tão desesperada e já que passava os dias ali à porta do Lidl mas tinha ido lá dentro perguntar se estavam a aceitar pessoas para trabalhar?
    A "menina" não estava à espera da minha resposta e lá balbucionou um "não, não posso fazer esse trabalho porque isto e aquilo" (já não me lembro das desculpas mas eram esfarrapadas).

    Eu (passada) disse-lhe que também tinha um filho para criar e que não ia andar a sustentar quem não queria procurar trabalho. Além disso, se estava assim tão mal que fosse à Seg. Social para que ajudassem os filhos dela.
    "eles não ajudam, blblabla" - se não a ajudam é porque não precisa... foi um bate-boca do qual não me orgulho particularmente.


    No final, tinha umas quantas pessoas a ver a nossa discussão, bateram-me palmas e disseram coisas como "muito bem dito" "é isso mesmo", etc. (e eu se tivesse um buraco tinha-me enfiado lá dentro).
    Mas a mulher irritou-me mesmo. Andava eu desesperada à procura de um trabalho, andava literalmente a deixar CV em tudo o que era sitio e quem me dera ser chamada para trabalhar como caixa ou para a reposição de um supermercado. Ainda por cima vir uma palerma qualquer dizer-me que eu tinha e não queria dar?! Apanhou-me num mau dia e ouviu o que não quis.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. As crianças são o meu calcanhar de Aquiles. Eu sei que há mendigos "profissionais", mas havendo crianças envolvidas quebro automaticamente.

      Eliminar
    2. Eu é mais cães.

      Eliminar