quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Ela não anda, ela despenca!

Corria o ano da graça do Senhor de 1995, numa segunda-feira de Fevereiro que a memória já não alcança, caramba, assim se vê como tempo passa, já perco a memória, apercebeu-se esta que vos escreve e a sua inseparável amiga que a noite dos Oscars estava a chegar e ainda tinham uns quantos filmes oscarizáveis em falta na lista de visionamentos e que isso não lhes permitiria avaliar com propriedade a justiça da atribuição dos prémios que estava para breve. Com dezoito anos sabemos tudo, tu-do. E temos dentro de nós um Lauro António.  Bom, dentro de nós não teriamos, mas no Vá-Vá, na mesa ao lado, tivemos muitas vezes.
Para grandes males, grandes remédios, era segunda-feira e os bilhetes eram mais baratos, urgia fazer uma sessão dupla de cinema logo que acabassem as aulas. Aos dezoito anos temos as prioridades muito bem definidas e ver todos os filmes candidatos às principais estatuetas douradas era uma prioridade.
- 'Xa cá ver,'xa cá ver, Quarteto não dá, Londres não dá, King muito menos. Alfas, vamos aos Alfas que estão os dois em cartaz. *
- Mas não fica apertado?
- Fica nada! chegamos mesmo em cima da hora, quando muito falhamos as apresentações. Vamos directas que dá perfeitamente. 
Chegámos bem a tempo, ainda havia fila nas bilheteiras, não seriamos as ovelhas ronhosas que entram a meio da sessão para incómodo dos restantes espectadores.
- Mirone, compra os bilhetes que eu encontro-te lá em baixo, preciso mesmo de ir à casa de banho.
- Sim, vai, espero-te à porta.
De bilhetes numa mão, livros na outra, aos dezoito anos andamos com os livros de braçado, sacudo a melena e de passos largos e decididos, a espalhar magia, aos dezoito anos, temos magia para dar e vender, faço-me às escadas. Dois lanços de degraus com um patamar de permeio. "Ela não anda, ela desfila"...
Tenho a certeza de que não chovia, mas por alguma razão o chão estava húmido e fugiu-me debaixo dos pés logo no primeiro degrau. O que se viu a seguir, senhores, o que se viu a seguir foi magia. M-A-G-I-A. Ainda hoje estou para perceber como consegui descer os dois lanços de escadas, a cambalear da esquerda para a direita, de um lado para o outro, e olhem que elas deviam ter uns bons 3 metros de largura, sem abalroar ninguém. "Wow, Mirone, não caias, wow, estás no patamar, wow só mais uns degraus, está quase, desvia-te do senhor, não caias agora que só falta um degrau."
Caí, em toda a minha glória, já fora das escadas, em chão firme, livros para um lado, carteira para o outro, a ondulante melena a tapar-me os olhos, ali, à frente de quem quisesse ver. Os bilhetes na mão, apertados, amachucados, tal como o meu orgulho.



Os filmes? Sei lá, já não me lembro, acho que um era o Pulp Fiction.



* Os meus dezoito anos não voltarão, estas salas, entretanto fechadas, muito provavelmente também não. 



17 comentários:

  1. Estúdio 444, Nimas (ai," a árvore das patacas" ) etc..., pois não voltam, não senhor. E, é uma pena. Dá aquela nostalgia quando nos lembramos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Oh, o Nimas, poiso frequente durante um curto namoro, ou lá o que era aquilo que tivémos, com um pseudo-intelectual com tendências depressivas.
      (aos dezoito anos falta-nos a paciência para pseudo-intelectuais depressivos)

      Eliminar
    2. Aos 18? aos 40 também, Mirone. Aos 40 falta-nos pachorra para os "pseudo-tudo"

      Eliminar
    3. Tem razão Fernanda, ganhamos pachorra para umas coisas, perdêmo-la para outras. :)
      Mas com 38 faço por ser mais tolerante e compreensiva do que era aos 18.

      Eliminar
  2. Adoro esbardalhanços (até os meus, imagine-se!)

    ResponderEliminar
  3. "prontos" lá me ri outra vez com a desgraça alheia..
    Mas,quando sou eu ,a cair também me dá imensa vontade de rir...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Foi um esbardalhanço tão épico.
      Eu ali armada em rainha da cocada preta e tumbas, "terra chama Mirone, Terra chama Mirone", passaram-me logo as manias.

      Eliminar
  4. Ahahahahahahahah ahahahahahahahah tou-te a ver... :DDDDD

    ResponderEliminar
  5. Dei uma queda memorável dessas escadas. Vim a rebolar escadas abaixo que se me falhou logo o primeiro degrau. Fiquei lá em baixo, a rir à gargalhada, agarrada ao rabo, as pessoas a tentarem levantar-me e eu só ria.
    Vai dai que também dou uma valente gargalhada quando assisto aos esbardalhanços alheios.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A culpa só pode ser das escadas. Na volta fecharam os cinemas por defeitos de construção nas ditas.

      (Só não me espetei contra o balcão das pipocas porque o átrio de acesso às salas ainda tinha uma área razoável, senão havia de ter sido lindo ver os baldes a voar).

      Eliminar
  6. Quando era (mais) nova (ihihihihih) passava a vida a esbardalhar-me, sobretudo em plena rua, assim do nada tropeçava em mim e lá ia eu, outras vezes na escola, até sentada eu caía... depois li qualquer coisa das psicologias que teorizava sobre este fenómeno, enfim, é provável que.
    De resto, lembro-me de ter ido ver o Pulp Fiction sozinha (nessa altura ia quase sempre sozinha ao cinema, e era tão bom), um bocado a pensar que se calhar nem ia gostar. Pois. Fui 3 vezes ao cinema nessa semana e vi 3 vezes o "Pulp Fiction" nessa semana.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nesse ano acho que ganhou o Forrest Gump. Lembro-me da Susan Sarandon no The Client (agora já não tenho a certeza se era esse o Dead Man Walking).
      A minha filha também é daquelas que até sentada cai, mas tenho ideia que é porque está sempre mal sentada (ainda é pequenita e para chegar melhor às mesas, se não lhe pomos uma almofada, acaba por se sentar em cima do pé na beira da cadeira).
      Não fazia ideia que havia uma explicação psicilógica para isso. :))))

      Eliminar
  7. Por culpa do tombo lembras-te agora desse dia, só por isso valeu a pena. Além de que, deve ter dado para rir muito nos dias seguintes.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ainda dá. Tenho todo um repertório de situações "maravilhosas" com essa minha amiga.

      Eliminar
  8. Para cada panela um testo, como diria a minha avó. Nunca estamos verdadeiramente sós, algures no mundo haverá o nosso par. Serás tu o meu par nas quedas aparatosas?

    ResponderEliminar
  9. Lindo!

    (Acredito que a ideia da senhora que se atira aos seus pés é bem capaz de ser o fetiche de muito carteiro :)))))

    ResponderEliminar